Você sabe o que é um algoritmo? Eu também não. Para afastar as trevas dessa ignorância imperdoável, fui ao dicionário. O pai dos burros me explicou que, nos domínios da matemática, trata-se de “uma sequência finita de regras, raciocínios ou operações que, aplicada a um número finito de dados, permite solucionar classes semelhantes de problemas”. Já nos arraiais da informática, a coisa fica mais fácil, uma vez que algoritmo, aqui, é apenas o “conjunto de regras e procedimentos lógicos perfeitamente definidos que levam à solução de um problema em um número finito de etapas”.
Assim feita a luz, pus-me a pensar que, sendo a tal palavra um anagrama perfeito de logaritmo, não seria despropositado imaginar tivessem ambas algum parentesco. Volto ao livro sabido e, para minha decepção, vejo que este último é mais modesto: não se intromete na cibernética, limitando sua atuação à matemática, onde não passa de um “expoente a que se deve elevar um número tomado como base para se obter outro número”. Nunca vi nada mais fácil na minha vida.
Lembrei-me, então, do aluno na aula de direito penal. Iniciava eu o curso e tentava abrir a mente da turma para a evidência de que, como toda ciência, aquele ramo do direito tem uma linguagem específica e que um dos objetivos era precisamente desvendar essa linguagem, de tal maneira que os conceitos pudessem ser compreendidos. Acrescentei: dou-lhes um exemplo. Vou fazer uma afirmativa que está formulada em língua portuguesa, mas da qual vocês não vão entender absolutamente nada. E lancei: crime preterdoloso é aquele em que há dolo no antecedente e culpa no consequente. O aluno de que cuido levantou-se, me encarou com a maior seriedade possível, e disse que, a continuar assim, ele preferia desistir porque não estava preparado para “essas coisas filosóficas”. O que sejam “coisas filosóficas” fui eu que jamais consegui saber, mas sei perfeitamente que aquele subproduto do ENEM foi reprovado.
O que não é nenhuma vantagem porque, do jeito como estão estruturados os cursos de direito, obter um grau de bacharel parece mais simples do que empurrar bêbado em ladeira. Só em Manaus o número de faculdades ultrapassa uma dezena, significando dizer que há cardápios para todos os gostos. Pode o cidadão ingerir um caviar ou filé, como pode também se satisfazer com algo como orelha de frango ou filé de borboleta. Tudo vai chegar ao mesmo escoadouro, multiplicando-se o número de reprovações no exame de Ordem ou, o que é mais grave, aumentando a concorrência para as carreiras jurídicas de estado, onde o “baixarel” poderá demonstrar toda a sua sapiência, com a vantagem de adquirir o status de autoridade.
Escrevendo a respeito do assunto, já assim me manifestei: “A origem do quadro trágico que se nos depara reside em patamar muito mais profundo, vinculada que se acha ao próprio ensino fundamental, cujas estruturas se foram corroendo ao longo do tempo, extirpando-se-lhe a qualidade e a visão universal.
Não é razoável imaginar, exemplificativamente, que alguém se possa considerar apto a ingressar numa universidade sem ter tido um contato, por mínimo que seja, com noções, mesmo básicas, de filosofia. Qualquer que seja o ramo por que optou a indivíduo, haverá ele, no estágio superior, de dispor inexoravelmente de uma visão de sistema, sem a qual incorrerá no erro primário de ver a árvore mas não conseguir divisar a floresta.
Sob essa mesma ótica e no caso específico dos que vislumbram a possibilidade de se dedicar ao estudo da ciência jurídica, é impossível não lamentar o banimento do latim dos currículos do período de formação. Não para despertar no futuro bacharel o lamentável vezo de citações esdrúxulas, mas exatamente por que no direito romano repousa a essência do nosso ordenamento.
Na matéria, é inviável estreitar a perspectiva e buscar soluções paliativas, que não vão eliminar as causas das dificuldades detectadas.
É preciso reconhecer que o ensino no Brasil vai de mal a pior e que, sem uma mudança radical do modelo adotado, continuaremos formando bacharéis em direito que confundem habeas corpus com Corpus Christi, médicos que substituem uma dose de vitamina B-12 por duas de B-6 e engenheiros que buscam a revogação da lei da gravidade”.
Isso eu disse em 2005. Não tenho, hoje, nenhum motivo para modificar uma vírgula que seja. Muito pelo contrário, a tragédia só aumentou de intensidade.(Félix Valois é Advogado, Professor, Escritor e Poeta [email protected])