Manaus ainda era uma cidade acanhada, com pouco movimento nas ruas, quando Brás Gióia e outros garotos da sua idade resolveram improvisar o “gramado” em plena avenida Eduardo Ribeiro. Isso pelos idos de 1933. Não havia ônibus para atrapalhar, apenas o bonde que passava de hora em hora, algumas carroças e alguns automóveis de aluguel que ficavam estacionados bem em frente ao Cine Avenida.
Só que o “gramado” era de paralelepípedos e maltratava bastante os pés da molecada. Mas ninguém se importava com os tropeços ou com os arranhões nas canelas. Queriam mesmo era disputar as “peladas” durante horas.
Gióia, filho do italiano Emanuele Gióia, morava na rua Saldanha Marinho bem próximo a Eduardo Ribeiro e em frente à antiga sede do Partido Social Democrático.
-“O campo era em diagonal. Um dos gols ficava em frente onde anos depois foi instalada a loja Credi-Alves. O outro ficava bem no cruzamento com a Saldanha Marinho, em frente ao Shopping Center. Naquele tempo existia o Cine Odeon. O papai gostava de futebol e a minha mãe me dava o maior apoio”.
Da “pelada” de rua para o Oratório do Colégio Dom Bosco tudo passou muito rapidamente. Foi lá que, juntamente com os irmãos Artur e Amadeu Teixeira e outros garotos, ajudou a fundar dois clubes, o América e o Vera Cruz.
Certa feita, vestindo a camisa do América, Gióia dava o seu show de bola, no campinho do Oratório, quando foi observado pelo técnico Carlos Almada, do Fast, que ficou impressionado.
Convidado por Almada para treinar no tricolor, concordou. Foi ao estádio General Osório (hoje Colégio Militar), treinou tão bem que no mesmo dia foi inscrito na FADA- Federação Amazonense de Desportos Atléticos. Ainda participando de alguns jogos pela segunda divisão mas por justiça chegou ao time principal.
– “O time do Fast, naquele tempo, formava com Raul, Curereu e Edgard; Basílio, Gióia e Cachoeirinha; Olímpio, Fernandinho, Antonio Petrúcio (pai dos Piola), Miguel e Vinícius. Mas no Fast eu só consegui dois vices-campeonatos em 1942 e 1943“.
Em 1944 transferiu-se para o Olympico, onde foi campeão ao lado de Tuta, Periquito, Catré, Júlio, Cabral, Fedegundes, Marcos Gonçalves, Durval, Mário Matos e outros.
Em 1946 transferiu-se para o Tijuca, onde permaneceu até 1947. Teve como companheiros de equipe Flaviano Limongi, Aderbal Meneses, Mário Orofino, Carioca, Áureo Cid Botelho, José Leite Saraiva e tantos outros que não consegue lembrar.
A sua estreia no Nacional aconteceu em 1949. Laércio Miranda, que anos depois comandou a FADA, era o presidente. Ajudou o Nacional durante dois anos, mas por falta de estímulo resolveu transferir-se para o América em 1951.
Durante quatro anos- 1951 a 1954 – o América dos irmãos Teixeira esteve imbatível. E não era para menos, pois afinal de contas possuía um time de fazer inveja ao próprio Nacional, seu grande rival, na época. O time era uma máquina, lembra Brás Gióia, centro-médio que era respeitado pelo seu estilo clássico e pela sua disposição de luta.
-“Naquele tempo quando a gente entrava em campo era para decidir o jogo. O time formava com Sandoval, Guarda e Darcy; Hélcio Sena, Gióia e Toscano; Hélcio Peixoto, Luciano, Osmar, Ivancy e Nicolau. Conquistamos o tetracampeonato contra o Nacional, no Parque Amazonense, e nem recordo mais o escore”.
O América venceu por três a um. Ao final do jogo foi aquela comemoração, com volta olímpica, muitos abraços e, como não poderia deixar de ser, muita bebida. Terminamos lá na sede, na Monsenhor Coutinho, próximo ao local onde funcionou a Faculdade de Administração. Juarez de Souza Cruz, Venâncio, Zizico e Hermenegildo também faziam parte do grupo, lembra. Mas daquela conquista até hoje já se passaram muitos anos. Poucos recordam dos brilhantes feitos do modesto América e do excelente futebol de Gióia. Para o velho atleta restaram as lembranças dos momentos felizes, os gols, os aplausos dos torcedores, a solidariedade dos companheiros.
“Eu tive a oportunidade de jogar com muita gente boa. Joguei com Gatinho, Nicolau, Flaviano Limongi, Lafayete Vieira (Desembargador), Osmar, Paulo Onety e um bocado de gente que realmente entendia de futebol. Conquistamos quatro títulos seguidos, porque valia a pena jogar sob o comando de Cláudio Coelho. Era um técnico simpático aos jogadores. Com ele não havia meio termo, quando ele tinha que dizer uma coisa para a gente, dizia mesmo”.
Um desentendimento entre Cláudio Coelho e Artur Teixeira fez com que todo o time, praticamente, resolvesse pular para o Auto Esporte. E como já era de se esperar, o clube dos motoristas, conseguiu uma boa campanha em 1955 e os títulos de 1956 e 1959.
-“Nós tínhamos um goleiro, o Osman Raman, que era filho do dono da fazenda Santa Maria do Raman. Ele era bem de vida, jogava contra a vontade do pai, vinha de motor quase em cima da hora do jogo e, quando nós vencíamos, ele ainda pagava o “bicho”.
Em 1957, num jogo qualquer, Gióia resolvia aos 34 anos parar com o futebol. Ou melhor, jogar apenas sem grande compromisso. E fez isso no Internacional do Boulevard Amazonas até o início dos anos 1960. Vale a pena salientar, entretanto, que durante anos e anos seguidos foi titular absoluto da seleção do Amazonas.
-“Teve um determinado ano que nós saímos daqui para jogar em Goiás. Perdemos o jogo e caímos na farra. Acontece que a chefia da nossa delegação resolveu aceitar um amistoso em Belém, na volta. No dia do jogo o nosso time estava de ressaca. O nosso ponta esquerda, o Nicolau, estava bêbado que quase não agüentava em pé. O jogo foi à noite contra o Clube do Remo. Na saída da bola levamos um gol, mas conseguimos logo o empate. No segundo tempo, uma falta a nosso favor, o Pereirinha ficou todo assanhado para bater. Eu disse a ele para deixar o Nicolau cobrar. Porque o Nicolau tinha um chute forte para derrubar goleiro. Não deu outra, o Nicolau deu três passos para trás e quando eu vi a bola já vinha de volta de dentro do gol. Ganhamos o jogo”.
Gióia relembra que essa seleção tinha a sua formação básica mais ou menos assim: Sandoval, Guarda e Gatinho; Hélcio Sena, Gióia e Toscano; Hélcio Peixoto, Pereirinha, Osmar, Lafayete Vieira e Nicolau. Paulo Onety só ficava de fora em caso de contusão, pois era um dos mais virtuosos do ataque.
“Quando eu comecei a jogar ainda não havia o Parque Amazonense. A gente tinha que jogar no campo da Baixa do JG ou no campo do Luso, nos Bilhares, onde foi erguido o Colégio Sólon de Lucena. Depois é que surgiu o Parque Amazonense. Antes o Parque Amazonense era um hipódromo, onde eram disputadas as corridas de cavalo. Depois o Dispensário Maçônico foi denominado de Parque Amazonense e durante muitos anos esteve a disposição do nosso futebol”.
Gióia viu muitas gerações de craques passarem. Viu o futebol evoluir e decair. Gostaria de ver, novamente, um futebol motivado, estádio lotado, torcida gritando os nomes dos jogadores. Como nos bons tempos. E como na vida tudo passa, Gióia também passou. Virou saudade.(Nicolau Libório é Procurador de Justiça, Jornalista e Radialista – [email protected])