Observar as reais necessidades dos pacientes e contribuir para o processo de cura e recuperação estão entre as premissas do atendimento humanizado, que tem práticas cada vez mais aplicadas nas unidades de saúde do Amazonas. Um dos públicos beneficiados pelos procedimentos de humanização é o das grávidas. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), as gestantes devem ter suporte emocional e atenção à saúde, valorizando a humanização do tratamento e acompanhamento da gravidez.
No Amazonas, as boas práticas e o atendimento humanizado se tornaram prioridades nas maternidades administradas pela Secretaria de Estado de Saúde (Susam). “Quando fazemos o uso das boas práticas, nosso objetivo é humanizar a assistência ao parto. Humanizar significa oferecer à mulher as boas práticas, mas atendê-la na necessidade daquilo que ela se sente à vontade e quer fazer”, diz a enfermeira Larissa Almeida, que atende no Instituto da Mulher Dona Lindu (IMDL), zona centro-sul de Manaus.
De janeiro a agosto de 2019 a unidade realizou 1.873 partos normais, 1.694 cesáreas, 17.169 atendimentos na obstetrícia e 27.529 atendimentos ginecológicos. A cada atendimento, boas práticas e humanização ajudam as pacientes a responder melhor aos procedimentos clínicos. Entre as metodologias utilizadas estão placentografia, exercício com bola de pilates, banho morno, aromaterapia, massagem, musicoterapia, juramento do corte do cordão umbilical e a carta de óbito fetal, que ganhou visibilidade recentemente nas redes sociais.
As cartas são escritas para as mães que enfrentam a perda do bebê, por complicações de saúde ou no momento do parto. A narrativa em primeira pessoa sugere que o próprio filho ou filha está se despedindo da mãe. “A minha primeira experiência da cartinha do óbito fetal, eu estava do lado dela quando o bebezinho estava nascendo, eu segurei a mão dela. E no final ela falou ‘Muito obrigada, foi muito importante o teu carinho’. Já dá uma vontade de chorar. Elas ficam muito gratas, se impressionam e falam que não imaginavam que era assim no serviço público”, frisa Larissa Almeida.
Placentografia – Outro procedimento utilizado nos atendimentos do Instituto da Mulher Dona Lindu é a placentografia. “É a gente fazer um carimbo da placenta. Depois que a placenta sai, a gente limpa e pinta com tinta guache, coloca no papel ofício e também escreve uma cartinha dizendo a hora que o bebê nasceu, quanto ele pesou, qual foi o dia, quem assistiu no parto, onde foi. É muito gratificante quando a gente vê o retorno da mulher que a gente faz um atendimento. Elas ficam agradecidas e falam que foi muito importante”, comenta a enfermeira.
Aos 19 anos, a estudante Kelleryssa Maciel, mãe de primeira viagem, veio da zona rural do município de Careiro da Várzea para ter o bebê em Manaus. No Instituto da Mulher, recebeu os cuidados da equipe de enfermagem e passou por alguns procedimentos de humanização.
“Para mim está sendo ótimo, porque é a minha primeira gravidez, meu primeiro filho. O atendimento está sendo bom, eu considero bem evoluído. Está me ajudando bem, devido às contrações virem uma atrás da outra, ela fazendo massagem nas minhas costas melhora muito”, afirma a paciente.
Cuidados especiais – Os bebês prematuros ou que precisam de atenção diferenciada na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal recebem os cuidados de uma equipe especializada. “Nós nos preocupamos desde o começo, desde o início, quando o bebê da entrada aqui com a presença dos pais, participando ativamente do processo de cura e melhora do bebê. Os pais têm entrada liberada aqui. Pai e mãe não têm horário de visita, eles têm livre acesso à UTI. Isso faz com que eles se adaptem melhor”, explica a pediatra Erika Loureiro.
Ela frisa que o estado emocional da mãe também é observado. “Nenhuma mãe espera ter bebê prematuro, nenhuma mãe quer que seu bebê fique internado um, dois meses. Então ela vem muito fragilizada e sensível. Quanto mais ela participar do processo, entrar na unidade e se acostumar com os procedimentos e com as pessoas, ela fica mais tranquila”, reforça Erika.
Capacitação – Periodicamente são ministrados cursos e palestras para os colaboradores, como forma de qualificar a equipe que atende as pacientes. “O Instituto da Mulher tem treinado e capacitado os profissionais para, ao invés de atender, poder acolher. Nós temos trabalhado em prol de melhorar a qualidade da assistência do atendimento humanizado, para poder acolher as mulheres amazonenses, haitianas, venezuelanas. As mulheres de todos os lugares que aqui chegarem serão muito bem atendidas, porque estamos trabalhando em prol da assistência à humanização”, enfatiza Gracimar Fecury, gerente de enfermagem do IMDL.
Para o psicólogo da unidade, Jônatas Costa, o atendimento humanizado faz diferença em diversos níveis de atenção, dentro do hospital. O benefício é para o paciente, primeiramente. É um benefício que reverte para a equipe, que recebe o retorno dessa família, de gratidão, de evolução mais produtiva na recuperação; e benefício para a família que, ao se dar conta dessa atenção diferenciada, olha a instituição com outros olhos, com mais satisfação”, pontuou ele.
Relaxamento e bem-estar – Na maternidade Azilda Marreiro, localizada na zona norte da capital, uma sala de humanização foi inaugurada em março deste ano, no Dia Internacional da Mulher, para receber as mulheres em trabalho de parto. “O objetivo da sala é diminuir a ansiedade. Nas mulheres em trabalho de parto a ansiedade é muito grande, principalmente as primigestas, que ainda não têm experiência anterior e chegam com medo da dor, ansiedade com relação aos procedimentos por que irão passar. A gente tenta trabalhar com as práticas a diminuição da ansiedade e o alívio da dor”, informa Marcelino Cavalcante, coordenador do acolhimento.
No espaço são aplicadas técnicas como reiki, toque terapêutico, ioga, meditação, dança, massagem, exercícios na bola de pilates e barra, além de aromaterapia e auriculoterapia. “A auriculoterapia é um ramo da acupuntura, que faz parte da medicina tradicional chinesa. Ela utiliza o pavilhão da orelha, de modo que cada ponto corresponde a uma parte do corpo, para tratar ansiedade e até mesmo ativar o trabalho de parto. Antes de a gente colocar, a gente explica que pode ajudar na descida do leite. Tem pontos que também auxiliam a questão da depressão pós-parto”, explicou a técnica de enfermagem Martha Araújo.
De acordo com a profissional, a aromaterapia, trabalho feito com óleos essenciais, também é bem aceita pelas grávidas. “A aromaterapia trabalha com aromas naturais, que não têm nenhuma química, não vai envolver fármacos e não tem nenhuma contraindicação. Ela pode ser de forma inalada, tópica ou no difusor também. Na obstetrícia, nós temos o aroma de canela, que ativa o trabalho de parto”, disse Martha.
O objetivo de todas as práticas é tornar o momento do parto mais tranquilo e bem-sucedido. “Isso tem contribuído bastante, porque se você mantém essa parturiente calma, tranquila, isso proporciona um parto que não trará intercorrências. O parto, em si, é uma caixinha de surpresas. Mas se você acolhe, se você traz ela para você, incentiva, isso tem trazido para a gente respostas bem positivas”, assegurou a enfermeira Rebecca Motter.
Parto humanizado – No início deste ano foi publicada no Diário Oficial do Estado a Lei 4.749, que garante o parto humanizado e individual em hospitais públicos conveniados do Estado do Amazonas. A Lei também confere à gestante o direito de escolher procedimentos que a façam se sentir mais confortável e o fornecimento de todas as informações necessárias a respeito do parto à gestante e seus familiares.
Outros exemplos – Na maternidade Ana Braga, zona leste de Manaus, o enfermeiro obstetra Edilson Albuquerque criou um juramento para ser feito no momento do corte do cordão umbilical, chamado de “Juramento do Pai”.
Em junho, o Governo do Amazonas reinaugurou um Centro de Parto Normal Intra-hospitalar (CPNI) da Maternidade Balbina Mestrinho, zona sul da capital. O espaço, que passou por uma ampliação, foi pensado para estimular as gestantes a optar pelo parto com o mínimo de intervenção possível.
Entre as novidades da reformulação do CPNI da Balbina Mestrinho estão suítes com banheira com água aquecida para as grávidas que optarem por dar à luz na água e uma sala de parto preparada para receber indígenas, quilombolas e estrangeiras, de modo a respeitar as culturas e costumes tradicionais.
Acolhimento mais humanizado também é preocupação dos hospitais da rede estadual. No Hospital e Pronto-Socorro 28 de Agosto, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos e assistentes sociais estão aprendendo Língua Brasileira de Sinais (Libras) para melhorar o atendimento à comunidade surda na unidade hospitalar.
A direção da unidade identificou a necessidade de atendimento para a pessoa surda, principalmente pensando nos casos de urgência e emergência, em que se precisa de um diagnóstico rápido.
Atendimento especializado para pacientes surdos/mudos, com o uso de Libras também é praticado no Centro de Atenção Integral à Melhor Idade Ada Rodrigues Viana, zona oeste de Manaus.
“A gente sabe que hoje o mundo clama por uma saúde mais humanizada. Você acolher o usuário, fazer uma escuta qualificada, ter uma postura de acolhimento faz com que ele se sinta mais seguro. Tem várias pesquisas no mundo inteiro falando que isso diminui a dor, o uso de analgésicos. Portanto a gente prima por esse acolhimento, por essa postura de inclusão”, pontuou Ana Karla Almeida, coordenadora do Núcleo Estadual de Humanização da Susam.
Ela explica que intensificar as práticas de humanização faz parte das políticas de saúde adotadas nesta gestão. “Todas as ações que estão sendo planejadas e executadas pelo Núcleo de Humanização têm todo o apoio da gestão. A gente inclusive está fazendo uma articulação com a educação permanente dos serviços, com a segurança do paciente, com o incremento da ouvidoria, porque a gente entende que esses espaços precisam ser fortalecidos, para que a gente busque estratégias de dar um melhor atendimento, mais resolutivo e com qualidade, para os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS)”, concluiu a coordenadora.
Mais ações – Em outubro deste ano, a Fundação Centro de Controle de Oncologia do Estado do Amazonas (FCecon) montou uma sala de acolhimento ambulatorial para receber as mulheres no pré e pós-conização, procedimento que remove parte do colo uterino para realizar biópsia. O espaço oferece som ambiente, poltronas reclináveis e material informativo sobre conização.
A Fundação Universidade Aberta da Terceira Idade (FUnATI) promoveu, também em outubro, uma capacitação de humanização com todos os profissionais da área da saúde e colaboradores de sua Policlínica. A ação faz parte do Programa Nacional de Humanização e acolhimento aos usuários do SUS.
FOTOS: Michell Mello e Roberto Carlos/Secom