A crise sanitária do Amazonas decorrente do surto de coronavírus, é, essencialmente, resultado de má gestão pública de um setor fundamental para a sociedade. A incompetência assume proporções desastrosas acumuladas ao longo dos anos. Os números são assustadores, dignos de A Peste, de Albert Camus. Mais de 200 mil casos de infecção, com mortes registradas acima 6 mil, vêm repercutindo nacional e internacionalmente. Para o presidente do Conselho Regional de Medicina do Amazonas (Cremam), José Bernardes Sobrinho, em entrevista concedida ao Portal Brasil de Fato, a tragédia já era esperada. Segundo ele, as deficiências do sistema de saúde amazonense já vinham sendo alertadas pelos profissionais de saúde há mais de 10 anos.
Do alto de sua ampla, intensa e respeitada experiência médica no Estado, como um dos fundadores, professor e diretor da Faculdade de Medicina, Bernardes é franco e direto: “Essa tragédia estava anunciada. Todo mundo sabia. Esse governador também sabia. Ele já está há dois anos no governo e já era para ter melhorado, mas, pelo contrário, está cada vez pior. Em Manaus, hoje em dia, está difícil conseguir médico, porque o governo paga com atraso e às vezes nem paga. Então, além da saúde e das condições de trabalho estarem muito ruins, há hospitais sucateados, não funciona quase nada direito, faltam insumos básicos, balas de oxigênio, EPIs”, afirmou. Até quando evidentes descasos continuarão a ser tolerados?
A má gestão da saúde estadual é notória. Uma herança de governos anteriores. A saúde pública – não é segredo para ninguém de boa fé -, sempre foi a viúva rica de alguns governadores e secretários da pasta. Quantos, com as honrosas exceções, não se tornaram milionários ao fim de seus mandatos, enquanto a saúde colapsa ano após ano? Além da ineficiente infraestrutura médico-hospitalar, não obstante os bilhões de reais aplicados no setor, governo após governo, as grandes distâncias geográficas entre Manaus e o interior contribuem fortemente para o agravamento do quadro.”O governo tem que descentralizar a saúde do Amazonas, porque aqui nós estamos atendendo praticamente todo o interior e a capital. No interior a assistência é extremamente precária. O paciente é obrigado a vir até a capital para operar uma hérnia, uma vesícula, uma catarata. Às vezes, se viaja dez dias de barco para fazer uma cirurgia de catarata, que demora dez minutos”, afirma Bernardes.
O quadro de desespero atual da saúde no Amazonas fez-me recordar momentos anteriores em que governos sérios faziam o máximo com mínimo. Na gestão de Danilo Areosa – 1967-1971 – movido por um empréstimo de 7 milhões de dólares obtidos junto a um banco inglês foi montada e operacionalizada pela Susemi uma completa rede de saúde pública no interior do Estado. José Leite Saraiva, secretário de Saúde, formou uma super equipe de jovens profissionais amazonenses de alta respeitabilidade técnica, na qual pontificavam nomes como Sylvio Romero de Miranda Leão, Francisco de Assis, Lupercino Sá Nogueira, os médicos Antônio José Loureiro, Heitor Dourado, Deodato de Miranda Leão, o sanitarista Ney Lacerda e José Seráfico, diretor e vice da Susemi, além deste articulista, ainda um estudante de Economia e jornalista profissional, responsável pela assessoria de imprensa do órgão.
Como fator agravante, levantamento divulgado pelo IBGE mostrou que 47,4%, cerca de 1,9 milhão dos 4,1 milhões da população amazonense, em 2019, viviam abaixo da linha de pobreza. Com efeito, a população, antes ou além do covid, é vítima de má nutrição, de falta de condições essenciais à vida, como o lazer, enquanto o Estado é manietado na essência gestora do ente. Um governo eficiente e comprometido com o bem estar geral teria tido tempo de adotar medidas preventivas e assim evitado o quadro dantesco ora apresentado pela saúde pública estadual. A história demonstra que, no geral, maus governos são mais nocivos à população do que o covid.(Osíris M. Araújo da Silva é Economista, Consultor de Empresas, Escritor e Poeta – [email protected])