Aos 88 anos, morre professor Enéas Salati, que desvendou os ‘rios voadores’ da região Amazônica

Professor Enéas Salati/Foto: Arquivo

Rios voadores, grandes massas de ar carregadas de umidade vindas da Região Amazônica para o Sudeste brasileiro. Há tempos essa expressão e seu significado vem se tornando popular. Em grande parte, pelo trabalho de décadas de pesquisa do professor Enéas Salati, que morreu no sábado, aos 88 anos, em Piracicaba (SP).

Formado em 1955, em Engenharia Agronômica, pela USP, Salati teve uma carreira exemplar. Membro do Fórum de Mudanças Climáticas, foi professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz (Esalq), por duas vezes diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), diretor do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP, diretor técnico da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável. Foi também assessor do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Washington, consultor do Banco Mundial e da International Financial Corporation (IFC).

Foi dele o estudo seminal, no fim dos anos 1970, que mediu o nível de reciclagem das moléculas de água na Amazônia, um ciclo tão gigantesco que faz com que essas moléculas – vindas do oceano e precipitadas sobre a floresta – sejam evaporadas e voltem em forma de chuvas na região entre 5 a 8 vezes. Quando, finalmente, essa enorme massa de ar se desloca no sentido dos Andes, migra para o Sudeste formando os “rios voadores”, fenômeno tão concreto que basta ler as notícias sobre as tempestades que afetam o país durante o verão.

Morre professor

Em setembro de 1978, em artigo publicado no Estadão, o professor explicava como o desmatamento iria influenciar negativamente o ciclo hidrológico na floresta. Era, então, o fim da primeira década em que a Amazônia experimentava a ação humana destrutiva de forma mais sistemática. A abertura da Transamazônica e a tentativa da ditadura militar de fixar migrantes na região escancaravam a mata para a exploração.

“O grande legado dele foi ter criado uma consciência ambiental nas pessoas que trabalharam com ele de que estamos num planeta finito”, diz Reynaldo Victoria, professor do Cena, ex-orientando de Salati. Quando o antigo mestre foi para o Inpa, levou o ex-aluno para trabalhar ao seu lado. “Para mim, ele foi um segundo pai, com uma paciência infinita.”

Essa foi uma das características de Salati. Sua carreira se cruzou com a de outros importantes cientistas brasileiros e estrangeiros. Carlos Nobre, climatologista do Instituto de Estudos Avançados da USP, lembra que seu primeiro trabalho no Inpa, em 1975, foi ao lado de Salati. “Foi a primeira pessoa a me dar uma atividade lá. Ele foi o primeiro a medir as diferenças de temperatura no Rio Negro. Eu estava no barco com ele”, diz Nobre. “Foi dele também a ideia de construir uma torre no meio da Amazônia para medições climáticas.”(Portal Marcos Santos)