Desde o momento em que um jato de passageiros da Japan Airlines colidiu com uma aeronave menor em uma pista em Tóquio na última terça-feira (2), levou 18 minutos para a tripulação retirar todos os 367 passageiros do avião e garantir a segurança de todos.
Reconstruindo a cena com base nos relatos da tripulação, autoridades da segunda maior companhia aérea do Japão afirmaram na quarta-feira (3) que os comissários de bordo seguiram os procedimentos de emergência de maneira exemplar, começando pela primeira regra: controle do pânico.
Além da perícia dos comissários, uma combinação de passageiros obedientes e de um avião ultramoderno, feito com material que retarda o fogo, também foi determinante para o sucesso da operação.
Assim que o Airbus A350-900 parou, os comissários de bordo pediram aos passageiros que permanecessem calmos, enquanto chamas cor de laranja envolviam grandes áreas do avião e a cabine rapidamente se enchia de fumaça.
A tripulação avaliou rapidamente a situação olhando para fora, e decidiu quais das oito saídas de emergência estavam seguras para uso. Em seguida, eles usaram comandos de voz curtos e diretos, conforme treinados, como “deixem as bagagens” e “não por esta porta”, disseram autoridades.
Alguns passageiros entrevistados no aeroporto na terça à noite atribuíram ao rápido treinamento de evacuação pela tripulação o fato de estarem vivos.
“Ouvi uma explosão cerca de 10 minutos depois que todos nós saímos do avião”, disse à Reuters Tsubasa Sawada, de 28 anos. “Posso dizer apenas que foi um milagre, poderíamos ter morrido se tivéssemos demorado.”
O protocolo de emergência estabelece que a tripulação deve ter permissão da cabine de comando para abrir qualquer saída de emergência. O comandante ficou próximo às duas saídas da frente e autorizou a evacuação da aeronave.
Não foi um processo simples: uma das portas na parte traseira não pôde ser liberada porque os sistemas de alto falante e intercomunicação não estavam mais funcionando. A tripulação da cabine então tomou a decisão correta de abrir a porta de qualquer maneira, permitindo que os passageiros deslizassem pelas escorregadeiras de evacuação, informou a JAL (Japan Airlines).
As escorregadeiras são equipamentos infláveis que permitem o desembarque rápido em caso de emergência. Eles são instalados nas portas dos aviões comerciais de passageiros.
Todos os comissários de bordo recebem treinamento uma vez por ano em procedimentos de evacuação, simulando vários cenários, como o que fazer quando não podem se comunicar com a cabine de comando, disseram autoridades. É assim em toda indústria da aviação comercial de passageiros, inclusive no Brasil.
Após garantir que todos os passageiros haviam escorregado com segurança pelos três escorregadores, a tripulação e os pilotos completaram a evacuação às 18h05 (hora local), ou 18 minutos após o pouso.
O A350-900 como o da Japan Airlines foi certificado para, com até 440 passageiros, ser evacuado em 90 segundos, com apenas metade das saídas de emergência utilizáveis.
Não ficou claro ainda quanto dos 18 minutos de operação foi gasto retirando os passageiros pelas escorregadeiras, mas especialistas em segurança afirmaram que entrevistas com passageiros seriam necessárias para ajudar a moldar os futuros procedimentos de evacuação.
“A tripulação de cabine da JAL deve ser altamente elogiada por sua evacuação exemplar”, disse um porta-voz da Airbus.
Passageiros obedientes
Dirigentes da JAL disseram à Reuters que a tripulação do voo 516, partindo da cidade japonesa de Sapporo para o aeroporto de Haneda, em Tóquio, seguiu os procedimentos apropriados, mas também elogiaram os passageiros pela saída ordenada de um voo cheio —que incluía oito crianças em idade pré-escolar.
As agências de segurança da aviação de todo o mundo alertam há anos que pausar para pegar bagagem de mão coloca vidas em risco durante uma evacuação.
“Tenho certeza de que todos vocês têm a experiência de serem instruídos em voos para não pegar seus pertences em caso de evacuação de emergência”, disse Noriyuki Aoki, vice-presidente sênior de assuntos gerais da JAL, em uma coletiva de imprensa. “Isto foi seguido à risca, inclusive com a cooperação dos passageiros, e acreditamos que isso levou à evacuação rápida.”
Resistência colocada à prova.
O acidente é o primeiro incidente significativo envolvendo o Airbus A350, o principal jato de longo alcance da Europa, em serviço desde 2015. Também é a primeira vez que um avião de passageiros construído principalmente a partir de compostos de carbono leves teve perda total por fogo.
Fotografias dos destroços mostraram a fuselagem do A350 em cinzas. Enquanto os investigadores buscam a causa da colisão, a indústria da aviação está ansiosa para confirmar a capacidade de sobrevivência dos aviões de passageiros de compósitos de alta tecnologia, que transformaram a economia dos voos de longa distância e das companhias aéreas na última década.
O acidente “é realmente o primeiro estudo de caso que temos, não apenas do ponto de vista do incêndio, mas também da perspectiva da sobrevivência ao impacto”, disse à Reuters Anthony Brickhouse, especialista em segurança aérea da Universidade Aeronáutica Embry-Riddle.
Tanto a Boeing, com o Dreamliner 787, quanto a Airbus, com o A350, fizeram grandes apostas no início dos anos 2000 de que os compósitos leves de carbono proporcionariam grandes economias de combustível e seriam menos suscetíveis à fadiga, reduzindo a necessidade de manutenção.
O A350 contém 53% de materiais compostos em peso, sendo que os compósitos compõem a maior parte de sua estrutura externa, incluindo a fuselagem, grandes porções da cauda e das asas, e parte da seção frontal.
Os especialistas afirmaram que o fato de todos os passageiros e tripulantes terem evacuado com segurança enquanto a estrutura estava intacta renovará a confiança nos materiais que foram certificados para voar.
No entanto, eles alertaram que é muito cedo para tirar conclusões definitivas sobre como a fuselagem composta do A350 resistiu ao fogo ou quais lições tecnológicas podem ser aprendidas.
“As fuselagens compostas têm várias vantagens sobre os aviões de alumínio”, disse Bjorn Fehrm, especialista em compósitos, na publicação especializada Leeham News.
Enquanto o alumínio derrete a cerca de 600 graus Celsius (1.100 graus Fahrenheit) e conduz calor, a fibra de carbono pode suportar temperaturas cerca de seis vezes mais altas, com a estrutura esfumaçando e queimando em vez de derreter, afirmou.
“Aquela fuselagem os protegeu de um incêndio realmente horrível – não queimou imediatamente, permitindo que todos saíssem”, disse à Associated Press o consultor de segurança John Cox. “Isso é um sinal positivo.”
A Airbus, em um guia de 2019 para bombeiros, afirmou que o A350 demonstrou “um nível equivalente de segurança” em comparação com os aviões tradicionais de alumínio, com testes mostrando “resistência aumentada” à penetração do fogo.
Mas quando expostas a calor intenso por longos períodos, a Airbus observou que as fuselagens compostas podem perder sua integridade estrutural, mesmo que a pele composta pareça intacta.
Especialmente, a resina queima primeiro e as chamas se propagam mais lentamente durante o incêndio, de acordo com um documento da FAA, a agência federal de aviação dos Estados Unidos.
O A350 da JAL queimou por mais de seis horas antes que os bombeiros conseguissem extinguir completamente as chamas.(g1)