
A loteria esportiva começou em abril de 1970, antes da seleção brasileira de futebol conquistar o tricampeonato mundial do futebol, no México. O apostador tinha como opções a coluna 1, coluna do meio e coluna 2; a coluna do meio ficava para a hipótese de empate. Quando um time pequeno derrotava uma equipe de inquestionável superioridade técnica, todo mundo dizia: deu zebra. Certa ocasião, no tempo em fui correspondente da conceituada revista Placar, da Editora Abril, de 1970 a 1975, tive a ousadia de escrever que no clássico Pai-Filho, o Fast era o grande favorito do confronto e que se acontecesse o empate, daria zebra. A torcida do Nacional não ficou nem um pouco satisfeita comigo. Mesmo sendo nacionalino, preferi ser realista. Fui feliz na análise e, para a alegria da torcida tricolor, o Fast venceu, prevalecendo a lógica.
Foi o pernambucano Gentil Alves Cardoso o autor da famosa frase: Vai dar zebra. E por que razão daria zebra (?), se o tal animal não estava incluído entre os 25 bichos que faziam parte da loteria criada por João Batista Viana Drumond, o Barão de Drumond, no início do período republicano, no Rio de Janeiro, para garantir a manutenção do seu zoológico. Não é demais dizer que o jogo da Quina, da Caixa, na sua primeira versão de 100 números, foi inspirado no jogo do bicho
As pessoas, na entrada do zoológico de Drumond, apostavam num dos bichos e, no final da tarde poderiam levar o prêmio no grupo, na dezena, na centena ou no milhar. Os 25 bichos eram representados no grupo por 25 números, começando com o avestruz (01-grupo ), águia (02-grupo) e terminando com a vaca (25 –grupo). O veado no grupo é o 24, mas as suas 4 dezenas são 96, 95, 94 e 93. Nascia ali o jogo do bicho que não previa a famosa zebra.
Mas a frase do técnico Gentil Cardoso tinha tudo a ver. Ao admitir a hipótese do sorteio da zebra, estava admitindo o impossível. E a “pérola” foi ofertada em 1952, quando Gentil dirigia o Vasco da Gama e o time era formado basicamente por jogadores veteranos. O time não inspirava credibilidade, mas Gentil garantia aos torcedores que daria zebra no final do campeonato, o bicho que não estava previsto na loteria criada pelo Barão de Drumond. E deu mesmo, pois o Vasco foi campeão.
Anos depois, quando a Caixa Econômica criou a Loteca, ganhava o apostador que conseguisse êxito nos 13 prognósticos. E a TV Globo, no programa Fantástico, colocava em evidência a figura da zebrinha toda vez que a lógica era contrariada, sempre que ocorria um resultado inesperado. No mesmo programa Fantástico, Osvald de Souza, engenheiro civil e matemático, oferecia a opinião mais confiável para orientar sobre as probabilidades dos resultados dos jogos. A zebra ganhou tanta popularidade que passou a ser sinônimo de imprevisibilidade. Mas como o imprevisível só é impossível enquanto não acontece, Gentil nos deu a certeza que devemos estar sempre preparados para a chance da zebra mostrar a cara.
Gentil Cardoso, que morreu aos 73 anos de idade, no dia 08 de setembro de 1970, dirigiu todos os grandes times do Rio de Janeiro. Em São Paulo aceitou o desafio de comandar o Corinthians num momento de dificuldades. Aliás era sempre lembrado pelos clubes nos momentos de crise. A sua grande mágoa estava no fato de nunca ter sido chamado para dirigir a seleção brasileira. E por isso ele costumava dizer:
“Só me chamam pra enterro, ninguém me chama pra comer bolo de noiva”.
Gentil Cardoso, que exerceu a profissão de técnico de futebol por 44 anos, também foi engraxate, motorneiro, padeiro e militar, tinha muitas frases que serviam também para a reflexão dos jogadores:
“Quem desloca recebe. Quem pede tem preferência”.
Quando um jogador começava a maltratar bola, dando chutões para cima ele, ironicamente, aconselhava:
“Meu filho, presta atenção. A bola é feita de couro de vaca, a vaca gosta de capim. Portanto, coloca a bola na grama, o jogo fica melhor”.
Ele sabia distinguir o talentoso do perna-de-pau num simples olhar. Ao observar a falta de intimidade, sentenciava:
“O craque trata a bola de você, não de excelência”.
No jogo e na vida é bastante racional acreditar na lógica. Mas o bom senso sempre recomendou que a imprevisibilidade pode acontecer. Todo mundo tem que estar preparado para espantar a zebra que surgir pelo caminho.(Nicolau Libório é Procurador de Justiça aposentado, Ex-Delegado de Polícia, Jornalista e Radialista) – 05.09.25