INTELIGÊNCIA E O FUTEBOL – Por Nicolau Libório

Artigos: Dr. Nicolau Libório(AM)

Inteligente é uma pessoa de raciocínio rápido, de compreensão fácil, de grande capacidade intelectual. Mas é preciso entender que nem toda pessoa inteligente é culta. Da mesma forma que nem todo culto é inteligente. Aliás, quando o culto é inteligente ninguém segura. Mas é bom não confundir com o “denorex “, aquele que parece, mas não é. Quem lembra do shampoo Denorex, lançado pela empresa Unilever, na década de 1980, cujo comercial deixava evidente que, poderia parecer remédio, mas na verdade era um produto cosmético muito eficaz no combate a caspa.

No futebol conheci de perto muitos jogadores inteligentes que faziam do ofício um grande prazer. Conheci também alguns poucos que conseguiram usar da capacidade intelectual para armazenar conhecimentos e, em outros campos da vida, passaram a merecer a admiração até mesmo de quem não tinha grande simpatia pelo futebol. Tostão (Cruzeiro, Vasco e seleção brasileira) e Afonsinho (Vasco) que partiram para o campo da medicina, foram, enquanto jogadores, aplaudidos pela elegância e precisão de seus passes e a rapidez de raciocínio nos lances que resultaram em belos gols.

Em 1958, a Confederação Brasileira de Desportos, visando a Copa do Mundo, na Suécia, resolveu incluir no seu plano de trabalho a figura do psicólogo, com a função de submeter os jogadores a testes de avaliação de inteligência e equilíbrio psicológico.

A justificativa era simples: alguns jogadores, quando atuavam em excursão pelo exterior, davam show de bola, mas ao vestirem a camisa da seleção brasileira, sentiam dor de barriga, suavam frio, tremiam e, nos jogos importantes e decisivos perdiam o controle emocional e começavam a fazer bobagens que comprometiam o desempenho do restante do elenco. Portanto, perfeitamente justificável a presença de um psicólogo para medir o nível cultural, índices de tensão, reflexo e coordenação motora de impulsividade e agressividade dos jogadores.

Para a missão, a CBD do início da era João Havelange contratou os serviços de João Carvalhaes, um sociólogo licenciado em psicologia. É claro que sua chegada ao ambiente da seleção foi vista com grande desconfiança, pois no final da década de 50 psicólogos e psiquiatras eram tidos como médicos para quem tinha “parafuso frouxo”.

João Carvalhaes, entretanto, não era tão alheio ao futebol, pois quatro anos antes já havia aplicado os seus testes aos jogadores do São Paulo e aos pretendentes ao quadro de árbitros da Federação Paulista.

O tal psicotécnico, que já reprovou tantos lúcidos e considerou aptos muitos imbecis foi desastroso para quase todo o grupo, desaconselhando que dois dos mais brilhantes atacantes do futebol mundial fossem relacionados para a Copa. Pelo resultado da avaliação Pelé e Garrincha poderiam tremer.

Garrincha foi reprovado em tudo a começar pelo preenchimento da ficha, respondendo na linha destinada à profissão: ATRETA. Na avaliação de Carvalhaes foi visto como de instrução primária (conclusão óbvia) e inteligência abaixo da média. Em 123 pontos possíveis, alcançou somente 38. Estava rifado. O relato é feito no livro Estrela Solitária-Um Brasileiro Chamado Garrincha, escrito pelo jornalista Ruy Castro, em 1995.

O teste de Pelé também foi um desastre, alcançando apenas 68 dos 123 possíveis. Até a sua letra desenhada foi motivo de censura. O craque do século foi assim definido: “Pelé é obviamente infantil. Falta-lhe o necessário espírito de luta. É jovem demais para sentir as agressões e reagir com força adequada. Além disso, não tem senso de responsabilidade necessário ao espírito de equipe”.

Para concluir a sua nada feliz avaliação, João Carvalhaes não deixou por menos: “Não acho aconselhável o seu aproveitamento”. Aliás, antes dos testes, Carvalhaes foi procurado pelo lateral esquerdo Nilton Santos, que disse: “Professor, tem um cara aí de pernas tortas que vai ficar meio confuso com esses testes. Queria que o senhor tivesse paciência com ele. É o Garrincha, que joga um grande futebol”. De nada adiantou. Pelos testes, Mané Garrincha teria idade mental de um menino de 8 anos. Mesmo assim ele foi para a Suécia na condição de reserva. Pelé e Garrincha terminaram a Copa consagrados, campeões, aplaudidos. Mostraram talento, competência e equilíbrio emocional.(Nicolau Libório é Procurador de Justiça aposentado, Ex-Delegado de Polícia, Jornalista e Radialista)-03.10.25