
Nem nostalgia, nem pieguice, apenas o prazer de recordar. Lembrar de uma época já absorvida pelo tempo. É bom recapitular momentos agradáveis de uma Manaus tranqüila e sonhadora, quando jovens saracoteavam nos salões do Sul América, São Raimundo, Santos, Madureira, Orion, União Atlética de Constantinópolis ao som dos Lps de Pedrito, Júlio Jaramilo, Bienvenido Granda, Românticos de Cuba, Nelson Gonçalves, Carlos Alberto, Anísio Silva, Silvinho, Waldick Soriano, Altemar Dutra e outros conhecidos intérpretes, nas bem freqüentadas manhãs de sol.
Época dos bailes animados pelos sucessos da turma da Jovem Guarda, com Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Paulo Sérgio, Wanderley Cardoso, Wanderléa, Martinha, Jerry Adriane, Golden Boys, Reginaldo Rossi, Renato e seus Blue Caps, Trio Esperança, Os Incríveis, Os Vips, Leno e Lílian, Bob Di Carlo, Dori Edson e muita gente boa.
Quando tínhamos os programas que lideravam audiências na Baré, Difusora e Rio Mar, as três primeiras emissoras de rádio do Amazonas. Na Baré, Clodoaldo Guerra, no seu horário, dava show de bola com o seu Melodias Magistral. Na Rio Mar, numa gentileza da Casa dos Vidros, de A. Ferreira Pedras, Jorge Santos agradava a todos aqueles que gostavam da boa música.
Na Rio Mar, nos finais de tarde, de segunda a sexta-feira, Davi Rocha oferecia oportunidade para as mais diferentes preferências musicais no seu “ O Ouvinte é o Disck Jóquei”. Aos sábados, Edson Paiva, de apurado gosto musical, quando a cidade ainda não conhecia televisão, contagiava a todos com “A Noite Feliz de Todos Nós”. Aos domingos, além da apresentação das principais faixas dos discos da hora, Elias Brasil dava espaço para que ao vivo, no estúdio, cantores locais ficassem em evidência.
Das três emissoras, sem dúvida, a Difusora era a mais popular, a começar pelo Jornal da Manhã com Carlos Leal, Ernani de Paula, Carlos Carvalho e Paulo Guerra. E pela prestação de serviços por meio dos avisos para o interior do Estado, no seu Informativo Rosas, patrocinado pelos Armazéns Rosas da empresa J.G.Araújo. Nos mais distantes lugares do Amazonas, a inconfundível voz de J.Nunes, sempre tinha um recado para alguém que desejasse se comunicar. E no imenso beiradão amazonense muitos rádios à bateria estavam ligados para ouvir avisos como:
“Alô dona Maria, na Boca do Jacaré, seu marido José informa que já resolveu todos os assuntos na capital. Outrossim, afirma que enviou numerário pelas mãos do compadre Raimundo. Pede a quem ouvir este aviso, favor transmitir ao destinatário”.
Mas o programa “Parabéns a Você” tinha muitos adeptos. O ouvinte escolhia, pagava e oferecia a melodia à pessoa do coração. E as melodias? Bem, ficava a critério do freguês, isto é, do ouvinte. Poly Show, Waldick Soriano, Ângela Maria, Nelson Gonçalves, Roberto Muller, Carlos Nobre, Cauby Peixoto, Orlando Silva, Orlando Dias, Demônios da Garoa, Moacir Franco, Jamelão, Anísio Silva, Núbia
Lafayete, Cely Campelo e, muitas vezes, o gaúcho Teixeirinha, com o seu Coração de Luto. Interessante era a dedicatória aos aniversariantes homenageados:
“Os passarinhos amanheceram cantando com mais alegria pelo transcurso natalício da jovem Ângela. Seus pais, que muito lhe estimam, oferecem a melodia Broto Legal”.
No programa de auditório, na rua Joaquim Sarmento, nas manhãs de domingo, o maestro Domingos Lima e seu Conjunto acompanhavam Kátia Maria, Maria das Dores, Conrado Silva, Wilson Campos, Abílio Farias, Simas Vieira e quem mais fosse anunciado. Aos sábados, Salim Gonçalves, “o seresteiro do rádio planiciário”, com o patrocínio do Bazar Beija Flor, de J. B. Melo, soltava a voz na interpretação de um repertório basicamente romântico, dando preferência sempre para Boemia de Nelson Gonçalves e Coração Indeciso, composição de Domingos Lima.
O som do Iê-Iê-Iê de Roberto Carlos e de outros nomes idolatrados deu margem para que surgissem “Os Aristocratas”, “Good Boys” e “The Blue Birds”, conjuntos que hoje seriam chamados de bandas musicais.
Outros comunicadores foram surgindo: Edmar Costa, com “O Corujão da Madrugada”. F. Cavalcante com “E Éramos Todos Jovens”. Josué Filho, que depois passou o bastão para Valdir Correia, com espírito jovem e comunicação à flor da pele, desfilava os sucessos “em cima do prato, embaixo da agulha. E podia ser até como ele mesmo fazia questão de dizer “um programa sem pé e sem cabeça, mas todo coração”. A jovem Fesinha Anzoategui, com uma proposta moderna, lançava “Nossos Momentos”, um programa que permaneceu no ar durante muito tempo.
Como não lembrar de Paulo Gilberto, cuja vinheta, repetidas vezes, mandava ao ar que “o bicho é bom e o povo gosta” e que na sua forma simples de filosofar, afirmava: “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”.
Geraldo Viana, cuja área era o esporte, resolveu invadir uma praia diferente e ganhou enorme audiência com o seu Boa Noite Motorista. Jurandir Vieira, que começou como operador de som e virou um bom locutor, ganhou popularidade com o Pagode do Jura. Por sinal, o caminho do samba já havia sido percorrido pelo ex-repórter esportivo Ormando Barbosa.
As emissoras externavam os seus posicionamentos, a tendência ideológica. Se a Rio Mar (A Voz do Povo) tinha Erasmo Linhares e a Baré Jayme Rebelo (A Crônica da Cidade ) como porta-vozes, ninguém melhor que Josué Cláudio de Souza para falar do pensamento da Difusora. Ao meio dia, de segunda a sábado, o experiente jornalista iniciava a sua Crônica do Dia com a conhecida frase: “senhores ouvintes, a nossa saudação”. E após as parabenizações de praxe aos aniversariantes do dia, previsões astrológias e análises sobre assuntos do momento, encerrava com o “até amanhã como Deus há de permitir”. E permitiu por mais de 40 anos, tempo em que muitos foram os beneficiários da sua companhia, dos seus conselhos e das suas importantes lições na arte de comunicar.
Na preferência dos bumbás, ainda não se falava com tanta ênfase em Garantido e Caprichoso, e apesar da popularidade do Minas de Ouro, do Seringal
Mirim, a rivalidade que existia mesmo para valer era entre Corre Campo, da Cachoeirinha e Tira Prosa, do bairro de Santa Luzia. No Festival Folclórico, criado pelo jornalista Bianor Garcia, promovido pelos jornais O Jornal e Diário da Tarde, realizado no campo General Osório do Vigésimo Sétimo Batalhão de Caçadores (hoje Colégio Militar), a disputa equivalia ao clássico Rio-Nal.
O carnaval, com as famosas “batalhas de confetes” eram realizadas na avenida Eduardo Ribeiro, no domingo magro, domingo gordo e terça-feira gorda. Blocos de sujos, desfiles em cima de enfeitados caminhões das candidatas ao título de rainha, O Mocidade Clube, liderado por Flaviano Limongi e Max Teixeira e suas sátiras e a batucada do Maranhão animavam o período de Momo. No entanto, a fase das escolas de samba só começou mesmo em 1972, com a Unidos da Selva, formada por um grande grupo de militares e familiares, liderados pelo Coronel Jorge Teixeira. Depois os batuqueiros do Rio Negro plantaram a semente da escola do bairro de Aparecida, com a turma da Praça 14 nasceu a Vitória Régia. E outras agremiações surgiram, no período dos desfiles na avenida Djalma Batista, criando motivação para a construção do sambódromo.
Os grandes bailes, que marcavam a concorrência entre Ideal Clube e Rio Negro, chamavam a atenção pelo glamour e a frequência da elite amazonense. Mas temos que lembrar do Nacional com a já tradicional Chica da Silva, do Olympico com a Kamélia, do Internacional com a Jardineira, do Cheik Clube, do Bancrevea, Barés, do São Raimundo, do Sul América, agremiações que se destacavam no período momesco.
Nas belas tardes de domingos ensolarados, quem não optava pelas atrações dos cinemas Odeon, Polytheama, Éden, Guarany, Avenida, Ypiranga, Vitória, Popular ou Ideal, com certeza ia marcar presença no Parque Amazonense ou no estádio da Colina à época Gilberto Mestrinho.
O problema do transporte coletivo já existia desde os tempos dos bondes, passando pelos ônibus made in Manaus, esses fabricados a partir das carrocerias de caminhões e cabines de madeira. Nas linhas Circular Silva Ramos e/ou Circular 7 de Setembro, lá estavam os Viação Radiante, N.S. da Conceição, Fargo, Dodge, Gilda, Gengiskan, Santa Marta, Inconfidente, Hilariante, até que o governador Plínio Coelho criasse, em 1957, a empresa Transportamazon, trazendo para Manaus os ônibus feitos de ferro e alumínio, que ostentavam as cores do Partido Trabalhista Brasileiro: vermelho, preto e branco. Logo após vieram os Ana Cássia, antes dos mais modernos (?) veículos atualmente em uso.
Por sinal foi a partir da Transportamazon que as mulheres tiveram a primeira oportunidade de trabalhar como cobradoras de ônibus. Elas e os motoristas tinham que usar fardas com as cores do PTB, partido político que estava no poder: calças pretas, camisas mangas longas brancas e gravatas vermelhas. Também homenagem ao Flamengo? Nada disso, apenas coincidência.(Nicolau Libório é Procurador de Justiça aposentado, Ex-Delegado de Polícia, Jornalista e Radialista) – 24.10.25










