
A cooperação conjunta entre os órgãos de saúde retirou o Amazonas do grupo dos dez estados com maiores índices de mortalidade materna, posição que se repetia há décadas…
A Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) sediou, nesta quinta-feira (4), a última reunião de 2025 do Comitê Estadual de Enfrentamento à Violência Obstétrica, encerrando o ciclo anual de ações voltadas à proteção de gestantes e puérperas. Há seis anos à frente da coordenação do colegiado, a instituição conduziu o encontro que consolidou o balanço do ano e reafirmou os resultados obtidos por meio da articulação entre Defensoria, Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Associação Humaniza Coletivo Feminista, secretarias de saúde, universidades públicas e órgãos de controle. A cooperação retirou o Amazonas do grupo dos dez estados com maiores índices de mortalidade materna, posição que se repetia há décadas.
Segundo as coordenadoras do comitê, as defensoras públicas Caroline de Souza e Suelen Paes, o avanço é resultado de anos de união de esforços de todos os integrantes que atuaram em diversas frentes, e realizaram fiscalização contínua, revisão de fluxos assistenciais, monitoramento diário das maternidades da capital e do interior, empenho das unidade de saúde, desenvolvimento de projetos como o TelePNaR e o fortalecimento dos comitês de investigação de óbito materno. Elas explicam que o Ministério da Saúde divulgou os dados nacionais consolidados de 2024 e posicionou o Amazonas na 16ª colocação, após anos figurando entre os piores índices do país.
De acordo com a defensora Caroline Souza, esse é o resultado mais expressivo do ano. “Coordenar o comitê é desafiador porque envolve muitas instituições e profissionais, mas o esforço valeu. A meta é chegar ao fim da lista e, um dia, não ter mortes maternas evitáveis. É por isso que atuamos, para identificar falhas e agir na causa do problema”, afirmou.
Para a defensora Suelen Paes, a mudança é fruto de trabalho contínuo. “Desde que o indicador foi criado, o Amazonas nunca tinha saído dos dez piores. Divulgados em 2025, os dados referente ao ano de 2024, pela primeira vez, indicam que isso mudou. O comitê certamente contribuiu para essa redução, pois atuou na qualificação do pré-natal, em recomendações para as maternidades, na cobrança da organização dos fluxos das ouvidorias, realizou diversas inspeções em maternidades, e realizou articulação com órgãos de controle e na análise jurídica dos casos. Esse conjunto produziu impacto real”, disse.
A vice-presidente da Humaniza Coletiva Feminista e coordenadora de Saúde da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Rachel Geber, disse que o dado representa uma ruptura histórica. “Sair deste grupo depois de tantos anos é expressivo. Houve períodos em que o Amazonas chegou a ocupar o primeiro lugar entre os piores índices. Em 2025, avançamos para a 16ª colocação, embora ainda estejamos longe do ideal. O objetivo sempre foi – e continua sendo – reduzir mortes maternas evitáveis, grande parte delas decorrentes de falhas assistenciais. A Humaniza Coletivo Feminista nasceu da união de mulheres que sofreram violência obstétrica, e ver que nosso trabalho, iniciado de forma autônoma e combativa, mobilizou instituições, provocou mudanças e gerou resultados concretos é profundamente reconfortante”, declarou.
Demanda atendidas
O encontro ocorreu de forma híbrida, na sede administrativa da DPE-AM, no bairro Aleixo, em Manaus, reunindo representantes da Secretaria de Estado de Saúde (SES-AM), Secretaria Municipal de Saúde de Manaus (Semsa), das principais maternidades da capital, da Funai, da Humaniza Coletivo Feminista, do Conselho Regional de Enfermagem do Amazonas (COREN-AM) e do Instituto da Mulher Dona Lindu.
Conforme a gerente médica do Instituto da Mulher Dona Lindu, Sônia Diniz, o trabalho integrado tem efeito direto na assistência. “Houve redução da mortalidade e melhoria na qualidade do atendimento. As defensoras acompanham cada ocorrência, discutem soluções e fortalecem o trabalho das equipes. Isso se reflete na segurança das mães e dos bebês”, contou.
Essa percepção também foi observada pela coordenadora de enfermagem materno-infantil do Dona Lindu, Maria Gracimar Fecury. Para ela, a presença da Defensoria mudou a rotina das unidades. “As visitas, as cobranças e a revisão dos fluxos alteraram práticas internas. O envolvimento aumentou e os serviços passaram a olhar para indicadores, metas e postura profissional. Quem ganha são as mulheres”, comentou.
Durante o encontro, foram avaliados protocolos e fluxos trabalhados ao longo do ano. As principais ações debatidas foram:
* Padronização das ouvidorias das maternidades — A SES informou que implantará um fluxo único para recebimento e tratamento de denúncias de violência obstétrica em todo o Estado.
* Organização da laqueadura — Estado e município corrigiram falhas e alinharam o fluxo para cumprir a lei, incluindo a realização durante cesariana quando houver indicação.
* Registro civil no interior — A Corregedoria do TJAM apresentou resposta quanto ao pedido de instalação de serviços de registro em maternidades de municípios fora da capital.
* Déficit de enfermagem na Lindu — O Coren-AM identificou necessidade de recomposição da equipe; o relatório será enviado à SES.
* Fila do pré-natal de alto risco — O Estado informou média de 51 dias para a primeira consulta; o Comitê considera o prazo inadequado e deve recomendar providências.
* Falhas laboratoriais no pré-natal municipal — A troca contratual deixou gestantes até nove meses sem exames essenciais; Defensoria e MPE atuaram para restabelecer o serviço.
* Inspeções imediatas — Ocorrências graves motivaram idas emergenciais às maternidades, garantindo atendimento e prevenindo danos.
* Ações indenizatórias e regressivas — A Defensoria já ajuizou mais de 100 ações por danos a gestantes e puérperas; a PGE ingressou com sete ações regressivas para recuperar valores pagos às vítimas.
* Projeto “Vivo Mais” — O questionário, em implantação, vai mapear a ocorrência de violência obstétrica em Manaus para orientar melhorias nos núcleos de segurança do paciente.
Projeções para 2026
O comitê inicia 2026 focado em ampliar as capacitações nas unidades de saúde, fortalecer o monitoramento do pré-natal com atenção especial à saúde indígena e comunidades tradicionais, além de criar novos mecanismos de prevenção. A proposta inclui produção de materiais educativos, campanhas voltadas às gestantes e reforço dos canais de denúncia.
Outro eixo é a expansão do Projeto Vivo Mais, com coleta de dados trimestral e integração ao sistema estadual de saúde. A Defensoria deve manter inspeções emergenciais e seguir atuando na responsabilização de instituições e profissionais em casos de falhas comprovadas. A sociedade civil, incluindo o Coletivo Humaniza, seguirá contribuindo com monitoramento, denúncias qualificadas e participação nos espaços de controle social para apoiar a prevenção de violações e o aprimoramento dos fluxos assistenciais.(Texto: Ed Salles/ Foto: Junio Matos/DPE-AM)










