Com a autonomia que lhe foi concedida pelo presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes escolheu sua equipe de trabalho – ocupantes das várias secretarias em que se desdobra o ME – à sua imagem e semelhança. Em comum, os nomes têm em comum a defesa do liberalismo econômico e da diminuição da intervenção do Estado na economia, a base do pensamento doutrinário da Escola de Chicago.
No Brasil do governo Bolsonaro, alguns setores da sociedade, sobretudo do mundo político, empresarial, sindical, universitário e cultural vêm-se falando muito em “Escola de Chicago” – predominantemente ouvindo o galo cantar sem saber onde. Como se o termo representasse uma espada de Dâmocles pairando ameaçadora sobre o país, ou a hecatombe, o flagelo do Armagedom – segundo a Bíblia, a batalha final de Deus contra a sociedade humana iníqua, a mãe de todas as batalhas, a catástrofe mundial como descrito em Apocalipse 16 14:16.
Nada disso, contudo, corresponde aos princípios que regem o famoso ex-Departamento de Economia da Universidade de Chicago, hoje mais conhecido como Escola de Chicago. Para melhor entender o papel da Escola no contexto da economia capitalista do mundo contemporâneo, necessário se torna retornar à década de 1950, quando um grupo de professores do Departamento começou a produzir as teorias que deram fama à instituição.
O grupo era liderado por Milton Friedman e George Stigler, os dois maiores expoentes do liberalismo econômico americano na segunda metade do século. Os professores defendiam a observação dos dados e a realização de testes empíricos como maneira de mostrar as limitações da ação do Estado na economia. A partir da produção de Friedman e Stigler, a Escola de Chicago se destacou como polo do pensamento liberal nos Estados Unidos e no mundo. Nas décadas seguintes, foram 30 professores de Chicago vencedores do Prêmio Nobel de Economia.
Friedman e Stigler, ambos laureados com o Prémio Nobel da Economia, têm suas ideias associadas à teoria neoclássica da formação de preços e ao liberalismo econômico, rejeitando as políticas econômicas de Lord John Maynard Keynes (Inglaterra, 1883-1946). O assim chamado Keynesianismo (aplicado na reconstrução mundial pós-Segunda Guerra, em favor do monetarismo (até 1980, quando passou a defender a teoria das expectativas racionais) e rejeição total da regulamentação dos negócios, em favor do laissez-faire, laissez aller, laissez passer (deixar fazer, deixar ir, deixar passar) quase absoluto, isto é, sem qualquer controle da autoridade governamental.
Convém salientar, a propósito, que o laissez-faire, exprime, em essência, o cerne do ideal contido no liberalismo econômico. Simboliza, em em oposição ao protecionismo subjacente ao mercantilismo, a necessidade do Estado de se abster do seu controle na economia, permitindo ao mercado se autorregular a partir da lei da oferta e demanda e da livre concorrência.
Numa escala interpretativa mais ampla, ao Estado caberia responsabilidades sobre as atividades básicas, ligadas a setores que não despertasse interesse da iniciativa privada ou nos quais não pudesse atuar, particularmente em relação à educação dos cidadãos, saúde pública, segurança e justiça. No âmbito econômico ele só poderia se envolver para garantir os direitos do consumidor e da autodeterminação do mercado.
O começo
No período do pós-guerra, os economistas de Chicago se encarregaram de atacar as bases das teorias econômicas mercantilistas em voga, principalmente nos Estados Unidos, essencialmente baseadas na intervenção estatal na economia. Havia dois grandes exemplos dessa prática de intervenção. Primeiro, o New Deal, o programa do presidente Franklin Roosevelt criado com o objetivo de enfrentar a grande depressão decorrente da quebra da bolsa de Nova York, em 1929. O programa previa a injeção de recursos públicos em obras de infraestrutura geradoras de emprego e renda e, com efeito, reativar a economia do país. Finda a Grande Guerra (1939-1945), o governo norte-americano destinou recursos para o financiamento da reconstrução da Europa (e do Japão) sob os auspício do Plano Marshall.
O quadro conjuntural e suas complexidades
Como se pode observar, monetaristas e estruturalistas, penso eu, têm seus pontos positivos e negativos; medos, recuos e ousadias. O governo brasileiro precisa, efetivamente, de claro discernimento sobre o que pretende no que se relaciona a programas e projetos ajustados às reais necessidade da economia do país como forma de promover igualdade e estabilidade social, liberdade política e cultural de criação. À sociedade, por seu turno, cabe participar ativamente da vida da nação, estudando, aprimorando-se técnica e culturalmente para poder contribuir o aperfeiçoamento do sistema político nacional.
A China é um bom exemplo de que, sem amarras a escolas econômicas específicas tornou-se, em menos de 50 anos, a segunda maior economia do Planeta. Passou como um bulldozer sobre Japão, Alemanha, França, Itália, Canadá e Austrália. O Brasil, para avançar e assegurar seu papel no concerto das nações desenvolvidas precisa avançar muito. E superar graves deficiências que, parasitariamente, impedem a evolução e modernização de setores fundamentais como educação, ensino técnico-profissional e universitário, o fortalecimento da pesquisa e desenvolvimento, da saúde, segurança pública, infraestrutura, saneamento e habitação, portos, transportes, tecnologia da informação e comunicações.
Sem esta base, impossível dar o grande salto. Como o fez Coreia do Sul, os tigres asiáticos (Malásia, Singapura, Hong Kong e Taiwan) e europeus (Polônia, Irlanda, Espanha), dentre outros.
Em síntese, o Brasil precisa vitalmente, na condução dos três níveis de governo (federal, estaduais e municipais), menos rotulagem conceitual e mais de gestão competente e eficiente; de um governo que tenha visão abrangente sobre as diferenciações e assimetrias territoriais e sociais do país. O Brasil, por outro lado, clama por honestidade das representações parlamentares, que, atentas às necessidades do povo, essa figura algo imprecisa, indistinta, vaga, mas que as elege e mantém no poder, priorizem o bem comum não os próprios bolsos.
O Brasil sente profunda falta de um poder Judiciário limpo, expedito, rápido e justo, comprometido com o combate à corrupção, o direito dos menos favorecidos, não à defesa de poderosos. O Brasil e os brasileiros, enfim, demandam autoridade, justiça, segurança, saúde, educação, moradia, saneamento básico, transporte eficiente e seguro acima de ideais filosóficos vagos, que normalmente descambam para fanatismos retrógrados e improdutivos, anacronismos, radicalismos, intolerância político-ideológica e a hipocrisia.(Osiris M. Arauúo da Silva é Economista, Consultor de Empresas, Escritor e Poeta – [email protected])