
Quem nunca teve um apelido? Hoje, por conta do politicamente correto, apelidar alguém é bullying. Na minha infância, no bairro ou na escola, ninguém conseguia escapar. Não havia “não me toque”, porque desde de muito cedo a gente aprendia a não voltar chorando pra casa. O melhor era encarar a situação com indiferença ou, então, resolver o problema no braço. No mundo do futebol é quase uma regra. Edson Arantes do Nascimento, desde muito cedo, passou a ser conhecido mundialmente como Pelé. Manoel Francisco dos Santos experimentou a fama com o codinome Garrincha. O apelido passa a ser a identidade do craque, dentro e fora de campo. Quem, por exemplo, lembra do combativo zagueiro Osvaldo da Silva Sampaio?, que durante muitos anos impôs respeito na zaga do Fast Clube. Pois bem, se do Osvaldo nem os antigos fastianos fanáticos recordam, do Purgante é difícil de esquecer.
Lembro de alguém que tinha um verdadeiro horror a apelidos. Na primeira quinzena de 1965, chegou a Manaus um treinador paraense disposto a acabar com a farra dos apelidos. José Maria Moraes, que sucedeu o sargento Juarez de Souza Cruz, no comando do “tricolor cintado”, no primeiro treino no campo do Vila Rica, no bairro do Aleixo, foi logo bronqueando ao ouvir alguém chamando Osvaldo Sampaio, de Purgante: “não admito apelidos”. Daqui para a frente todo mundo terá que ser chamado pelo seu verdadeiro nome. A partir daí, o goleiro Negão teria que ser tratado por Edilson, e ai de quem ousasse chamar o ponta direita de Tapioca. Teria que descobrir que Tapioca era Carlos Alberto.
Mas a vontade do técnico nunca foi levada a sério pela crônica esportiva e pelos torcedores. Eu jamais consegui descobri os verdadeiros nomes do lateral Cabrinha e goleador Torrado. Aliás, de nenhum dos três Torrados. Quanto aos outros dois mais jovens, que jogaram no Nacional e América, um formou-se em engenharia e o outro virou sambista. Do mais velho, desconheço o paradeiro. Com uma lista tão farta de apelidos é possível, sem esforço, formar várias seleções, com os respectivos reservas: Chico Boia, Jorge Baleia, Periquito, Pila, Guarda, Tongato, Chumbinho, Tião Ventilador, Farofa, Dog, Pinguim, Peguei-te, Macarrão, Fredoca, Sula, Caíca, Lacinha, Português, Gatinho, Camarão, Cacheado, Pingado, Borrachinha, Formiga, Cabrinha, Padeirinho, Edson Borracha, Barrote, Bololô, Catita, Rato, Botica, Caroço, Gravata, Paçoca, Bacuri, Picolé, Patrulheiro, Índio, Bioca, Saúva, Careca, Pretinho, Tijolinho, Carrapeta, Xinxa, Passa Fome, Antero Marta Rocha, Manteiga, Timba, Amor, Azedo, Limão, Raspada, Pepeta, Tiquinho, Sarará, Caboré, Catingoso, Azulão, são alcunhas inscritas na história do futebol amazonense. Para recordar, Chico Boia foi o goleiro campeão amazonense
de 1958, jogando ao lado de Tucupi, Pretinho, Pinguim e Cacheado, na meritória conquista do Santos Futebol, que era o orgulho da rua Borba, bairro de Cachoeirinha.
O artilheiro do Santos foi João Ferreira Alves. Falo de Pretinho, com vitoriosa carreira no Santos, Auto Esporte, Fast, Nacional e América, terror dos goleiros adversários. Infelizmente, por imprevidência, o grande goleador ao falecer já não tinha as duas pernas, que tantas alegrias proporcionou aos torcedores. Da extensa lista acima, poucos são os nacionalinos capazes de relacionar o nome do professor Antônio Ricardo Peixoto de Lima ao eficiente e habilidoso Rolinha, jogador que integrou ao lado de Mário Motorzinho, a mais popular formação do time do Nacional que à época era da rua Saldanha Marinho.
Mas apelido é coisa que nem sempre encaixa de primeira. Lembro de uma certa noite de 1976 no Vivaldão, quando pela Rádio Difusora, comentava um jogo do América, ouvi do repórter de pista de que haveria substituição no ataque do time rubro. No lugar do substituído estava entrando um desconhecido Pedro. Carlos Carvalho, locutor de voz privilegiada, que fazia da ironia a sua marca registrada, foi logo dizendo: “Pedro não é nome de jogador. Pedro é nome de pedreiro”.
Para ajudar, sem nenhuma criatividade, lembrando de personagem de uma novela televisiva, procurei completar a informação: “o nome do garoto é Pedro Azulão”. Carlos Carvalho gostou da sugestão e seguiu na sua narração, destacando a atuação do novato, cuja principal virtude era a impulsão para potentes cabeçadas. Só que Orleans Nobre, grande craque do passado, tio de Pedro Tupinambá Nobre, não gostou do Azulão e, por algum tempo, andou bronqueando. Queria que o sobrinho fosse conhecido pelo nome de família. Mas o próprio Pedro, que se especializou em matar a bola no peito como poucos, gostou do Azulão. Pela sua disposição de luta e disciplina foi contratado pelo Nacional, onde formou dupla com Bibi. Hoje, empresário de sucesso no interior do Estado, Azulão nem faz questão de ser chamado de Pedro Nobre.(Nicolau Libório é Procurador de Justiça aposentado, Ex-Delegado de Polícia, Jornalista e Radialista) – 07.11.25










