Recebi esta semana imagens históricas do jogo que inaugurou o estádio Vivaldo, no dia 5 de abril de 1970. Foi sem dúvida um dia importante para Manaus, pois tivemos a oportunidade de ver de perto os grandes nomes do futebol brasileiro. Aqui estiveram Carlos Alberto Torres, Wilson Piazza, Dirceu Lopes, Jairzinho, Tostão, Rivelino, Clodoaldo, Pelé e outros importantes craques que ajudaram o Brasil a conquistar o tricampeonato mundial de futebol, no México, tomando posse de forma definitiva do troféu Jules Rimet.
O vídeo me estimulou a remexer os arquivos da minha memória sentimental e encontrar detalhes de alguns momentos daquele inesquecível domingo. A cidade viveu um clima de festa, ninguém conseguiu ficar indiferente ao fato. A multidão não se importava com o desconforto, com a lama, poeira, entulho da construção ou com o sol inclemente que elevava a temperatura. A distância também não importava porque o Vivaldão, mesmo que parcialmente edificado, em alguns pontos protegido por tapumes, era a grande novidade. De carro, motocicleta, caminhão, ônibus, ou mesmo a pé, todos chegavam felizes. Queriam conhecer o belo gramado, ver de perto os grandes ídolos e, principalmente, aplaudir o rei Pelé. Lembro que a seleção chegou a Manaus na tarde do dia 4, sábado, e ficou hospedada no Centro de Estudos Maromba, no bairro Chapada. Como repórter da Rádio Difusora, eu que no dia anterior já havia feito entrevistas na escada do avião, resolvi fazer plantão no domingo na frente do local da concentração, na esperança de conseguir uma oportunidade para entrevistar alguém, qualquer jogador, queria saber das novidades. A situação estava difícil, pois até mesmo os grandes nomes da crônica esportiva nacional não estavam tendo oportunidade de aproximação com os comandados de Mário Jorge Lobo Zagallo.
Como repórter gostava de enfrentar desafios. Acreditava que o impossível só prevalece enquanto o possível não acontece. E, de repente, tudo se modificou. Chegava ao local o irmão de Flaviano Limongi, presidente da FAF, acompanhado de quatro jogadores locais: Evandro, Catita, Pompeu e Pretinho, solicitados por Zagallo, para que ficassem na reserva do time que iria jogar a preliminar contra a seleção B do Amazonas. Ao me avistar e perceber que eu portava um pequeno gravador, indagou se eu poderia gravar uma mensagem com Pelé, que falaria sobre a Fundação Allan Kardec. Respondi que faria com o maior prazer mas o difícil era conseguir ter acesso ao ambiente da seleção. Andréa Limongi deu o seu jeito. Colocou-me para dentro como se eu fosse um dos jogadores amazonenses que ficariam à disposição de Zagallo.
O importante é que o próprio Pelé contribuiu. Pediu apenas que tomasse cuidado para que Zagallo não percebesse que as suas ordens estavam sendo desobedecidas. A mensagem da campanha em favor da Fundação Allan Kardek foi gravada e, para não perder a oportunidade, consegui uma entrevista exclusiva com rei do futebol. Para mim foi o máximo, me senti premiado, percebi que uma das principais armas do repórter é a ousadia.
Mas havia um problema. Zagallo circulava no ambiente adotando as últimas providências para que o grupo de jogadores escalados para o primeiro jogo da tarde tivesse acesso ao ônibus. Eu precisava sair do local mas não tinha como, pois o portão de entrada estava trancado e vigiado pela segurança, ninguém entrava e nem saia. Tive que embarcar com o grupo e rumar para o local do jogo, num deslocamento pela Constantino Nery (antiga João Coelho) que não durou mais do que 10 minutos. No desembarque, Zagallo percebeu que havia um estranho no meio, no caso
eu, que passei a ser alvo de adjetivos nada elogiáveis. Não me importei com os “elogios” do Lobo Zagallo porque a razão estava com ele.
Ao chegar à cabine de transmissão onde estavam Carlos Carvalho, Luiz Eduardo, Belmiro Vianez e Luiz Saraiva, todos vibraram quando souberam da minha proeza. A entrevista com Pelé foi para o ar e o índice de audiência da Difusora, que já era bom, só aumentou. O comentarista Belmiro Vianez, naquele momento, me dava uma nova missão: deveria entrevistar o autor do primeiro gol,na hora, em cima do lance. Cumpri a tarefa. Adentrei no campo, Dario Maravilha manifestou a sua alegria por haver marcado o primeiro gol, logo aos dois minutos , no novo estádio, mas o árbitro Arnaldo César Coelho, energicamente, determinou a minha saída do gramado.
Daquele dia, lembro da alegria de Flaviano Limongi, um dos mais dinâmicos dirigentes do nosso futebol. Recordo da satisfação do governador Danilo Duarte de Matos Areosa, que abraçou a ideia da construção do Vivaldo Lima, no instante em que cumprimentava os capitães das equipes, Carlos AlbertoTorres (seleção brasileira) e Maravilha (seleção amazonense) e, em seguida, dar o pontapé inicial.
Faço questão de lembrar que a seleção B do Brasil venceu a seleção B, do Amazonas, por 4 a 1, com arbitragem de Arnaldo César Coelho, auxiliado por Odílio Mendonça e Manoel Luiz Bastos. Marcaram para o time canarinho Dario 3,Lincoln contra , e Laércio para o time amazonense. A Seleção B do Brasil jogou com Leão, Zé Maria, Wilson Piazza (Catita), Joel Camargo e Zé Carlos; Arilson e Dirceu Lopes; Rogério(Evandro)(Pretinho), Dario, Tostão e Edu (Pompeu). O time B do Amazonas jogou com Maneco, Antônio Piola, Ney, Lincoln (Valdir Santos) e Brito; Zezinho e Tamilton (Santos do Sul América); Laércio, Afonso, Luiz Darque (Santos do Rio Negro) e Santiago.
No jogo principal o escore foi repetido. Seleção principal do Brasil venceu por 4 a 1, com gols de Carlos Alberto Torres, Paulo César Caju, Rivelino e Pelé. Com arbitragem de Airton Vieira de Moraes, auxiliado por Raimundo Sena e Alfredo Fernandes. O público pagante foi de 36.828, que resultou na renda de 410 mil,416 cruzeiros. A seleção A do Brasil jogou com Ado, Carlos Alberto Torres, Brito, Fontana e Everaldo; Clodoaldo e Rivelino(Wilson Piazza); Jairzinho, Roberto Miranda, Pelé e Paulo César Caju. O Amazonas perdeu com Clóvis, Pedro Hamilton, Maravilha (Valter Costa), Valdomiro e Eraldo; Mário Motorzinho e Rolinha; Zezé (Edson Piola), Rangel, Tupãzinho e Pepeta.
Já se passaram 49 anos, o estádio Vivaldo Limongi foi impiedosamente derrubado, o decadente futebol do Amazonas caminha de forma trôpega, sem alimentar grandes esperanças de encontrar o caminho da reabilitação. Posso garantir que vivi os felizes momentos da crônica esportiva e do futebol amazonense.(Nicolau Libório é Procurador de Justiça, Jornalista e Radialista – [email protected])