A geógrafa Bertha Becker, cujas obras não me canso de estudar, ensina que o desafio do desenvolvimento da Amazônia pressupõe implementar modelo que utilize o patrimônio natural sem destruí-lo, atribuindo valor econômico à floresta. Uma constatação elementar: o Brasil, no século XX, viveu quatro importantes revoluções tecnológicas: a criação da Petrobras, em 1953; da Embraer, em 1969; da Embrapa, 1973, e a instituição do Proálcool, em 1975.
Segundo Becker, a quinta revolução tecnológica brasileira será a da Amazônia. O desafio é nosso, de mais ninguém. O caminho, segundo Becker, tem como base a promoção do uso “do fator biodiversidade como elemento estratégico de desenvolvimento regional”. Por conseguinte, informações provenientes de pesquisas científicas, ao que defende, devem obrigatoriamente “colaborar com o planejamento do espaço rural, com vistas a equilibrar produção com conservação, voltado à sustentabilidade ambiental”.
Bertha Becker enquanto viva demonstrou larga e competentemente como a região amazônica, após ter sido fronteira de recursos minerais na primeira metade do século XX, tornou-se uma “fronteira móvel” a partir dos anos 1960, onde a circulação da força de trabalho, vinculada à expansão do povoamento, permitia a acumulação de capital no setor agropecuário. Mais recentemente, a Amazônia, em sua concepção, seria vista como uma “fronteira do capital natural”, valorizada estrategicamente como símbolo de vida e capital natural, num processo de “mercantilização da natureza”. O desafio é viabilizar projetos nessa direção.
Para a pesquisadora a Amazônia hoje é uma floresta urbanizada, desfazendo o mito de considerá-la espaço vazio e exótico. Cerca de 70% da população amazônica vive nas cidades. Sua agenda de pesquisa nessa linha continuou e foi aprofundada, culminando com a publicação de seu último livro “A Urbe Amazônida”, que reexamina a história das origens das cidades amazônicas, discute o papel das florestas e o aproveitamento da biodiversidade frente às crises energética, climática e econômica atuais, e ainda apresenta estratégias de desenvolvimento das cidades. Inovadora é também a regionalização da Amazônia por ela proposta, que derruba a imagem da Amazônia como espaço homogêneo.
O padrão de ocupação do espaço descrito por Becker em sua densa e referencial obra nos leva a compreender a lógica dos projetos de desenvolvimento, bem como a implantação de projetos ambientais. A região conhecida como “Arco do Desmatamento” ganha uma nova caracterização em sua obra, como “arco do povoamento” – uma área de povoamento consolidado, com atividades agropecuárias com uso de tecnologia e economicamente mais eficientes e rentáveis.
A questão territorial amazônica também foi tratada de forma inovadora por Bertha, a partir das características naturais e sociais da região e toda a sua diversidade, singularidade e importância. A dinâmica territorial amazônica, ou a nova geografia da Amazônia, levou-a a questionar os eixos de desenvolvimento e de integração, a compatibilidade entre interesses globais, nacionais, regionais e locais, assim como as políticas para a região. Para a respeitável amazonóloga, conhecer o território é fundamental, pois possibilita a criação de diferentes prioridades políticas, considerando as diferenças internas da Amazônia. A gestão do território, portanto, como espaço de soberania, é central em sua obra.
Enquanto assistimos, em momento crucial para a Zona Franca de Manaus, enxurrada de ideias sobre alternativas que mais se assentam à necessidade de ajuste do atual (e desgastado) modelo de desenvolvimento, temos à mão para fácil consulta um oceano de estudos técnicos e científicos disponíveis nos centros de pesquisa e universidades da região apontando caminhos seguros. Aplicar os conhecimentos neles acumulados depende apenas de decisão e políticas públicas adequadas. Ao repto mais ação menos discurso, cabe ao governo estadual modular o ritmo. As soluções estão aqui mesmo.(Osíris Silva é Economista, Consultor de Empresas, Escritor e Poeta – [email protected])