O poeta Dori Carvalho, importação amazonense da melhor qualidade, anuncia que completou dez anos sem tocar numa bebida alcoólica. Louvo-lhe a persistência, mas estou muito longe de querer seguir seu exemplo. Nem tenho porque fazê-lo, na medida em que há situações em que é impossível não recorrer a um gole, seja para lamentar, seja para comemorar. Dou um exemplo: não há nada que pague aquele vídeo exibido no Youtube, mostrando a cara do Bolsonaro no momento em que foi confirmado o resultado da eleição. Ora, vendo aquela cena histórica, tragicômica por tudo o que significou, como evitar um gole do Johnnie Walker vermelho para comemorar o desespero dos patriotários? Para mim foi um momento de satisfação tão intensa que o produto nacional da Escócia foi ingerido sem nenhuma parcimônia.
Os meus inimigos e os que não vão com minha cara por algum motivo, hão de estar proclamando: é um bêbado. Não, não sou, mas confesso que, num ponto extremo, preferia sê-lo a ser bolsonarista. Um bebum pode ser incômodo, inconsequente, inconveniente, é verdade. E um bolsomínion autêntico, aquele fanático e abusado? É tudo isso e ainda carrega consigo o peso dos quatro anos em que seu “mito” infelicitou o Brasil, matando centenas de milhares de brasileiros e tramando contra a democracia.
Convenhamos, voltando ao tema principal, que é melhor dedicar alguns momentos para entornar uma cerveja ou uma taça de vinho do que usar o tempo para convocar embaixadores e, num escândalo internacional, falar mal das instituições do próprio país que deveria governar. Foi um abuso imperdoável.
Aliás, neste momento em que escrevo, ainda não se tem o resultado do julgamento no Tribunal Superior Eleitoral. Ali, encarando questões que dizem respeito ao abuso do poder político, os ministros deverão decidir sobre a sorte política do ex-presidente, podendo deixá-lo inelegível por oito anos.
Seria um alívio. Não que eu tenha alguma ilusão sobre se o afastamento da sinistra figura significará o fim das insanidades. Claro que não. O fascismo, enraizado nas estruturas da direita lunática, levará adiante sua caminhada macabra, sob a liderança ou o comando de outro emérito defensor da moral e dos bons costumes, até que apareçam joias sauditas para serem trocadas por uma refinaria. Mas, pelo menos, estaria aplicada alguma punição ao principal responsável pelo retrocesso que o país sofreu, isolando-se da comunidade política internacional e desrespeitando normas elementares de proteção ambiental.
Concretizado o afastamento de Bolsonaro do cenário político nacional, acho que até o próprio Dori vai dar uma colher de chá na sua abstinência e degustar pelo menos um cálice de vinho do Porto. Isso não lhe fará mal nenhum e representará um gesto de aplauso para uma atitude democrática e republicana.
Espero não estar criando uma espécie de confronto entre pinguços de todos os matizes e fascistas mais ou menos acomodados. Afinal de contas, há espaço para toda e qualquer categoria de cidadãos que queiram e possam opinar sobre os destinos do país. Na hipótese que avento, já ficou demonstrado que a “turma do funil” entraria em campo com sobejas vantagens: seus integrantes não estariam carregando sobre os ombros o peso de um remorso insuperável pelos disparates cometidos por seu chefe.(Felix Valois é Advogado, Professor, Escritor e Poeta – [email protected])