Simplesmente ridículo e imperdoável o comportamento dos que vaiaram a execução do hino nacional argentino, no Maracanã. O resultado está à altura da provocação em termos de baixaria, na medida em que, ignorados os sentimentos de civismo, resta o recurso à barbárie.
Por falar em Argentina, percebi que a direita lunática brasileira ficou toda assanhada com o resultado da eleição presidencial naquele país. Houve fogos de artifício, com danças e bailados ao ritmo e ao som dos tangos mais tradicionais. Não me foi dado saber se houve invocação de ETs ou adoração de pneus ao longo dos festejos. É certo, porém, que os nossos fascistas se regozijaram, assim como se fosse uma espécie de desforra pela derrota que lhes foi imposta aqui dentro, no ano passado.
Ao que tudo indica, o Milei portenho nada mais é do que uma réplica, não sei se melhorada ou piorada, do tupiniquim Bolsonaro. Tanta é a afinidade que, segundo os meios de comunicação, o último já foi até convidado para a posse do seu comparsa. Aliás, durante a campanha no país vizinho, o dinheiro público brasileiro foi usado para financiar viagens de bolsominions, ao fito de participarem da campanha eleitoral. Tudo uma corja.
Convenhamos, todavia, que, mesmo sem simpatizar com a Argentina por qualquer motivo, é necessária uma dose exuberante de sadismo para alguém se sentir feliz com a vitória de Milei. Nós vivemos quatro anos da doença e temos obrigação de saber o quanto ela é cruel, implacável e dolorosa, a ponto de não nos ser permitido, por simples questão humanitária, desejar que ela se repita em qualquer que seja o lugar do mundo.
Ninguém, em estado de perfeita sanidade mental, pode querer, por exemplo, que se repita na Argentina aquela cena monstruosa que a televisão brasileira exibiu à farta: diante da notícia de que estava havendo carência de oxigênio nos hospitais, o presidente da República aparece imitando grotescamente a agonia de uma pessoa com falta de ar. Em retrospectiva, parece-me quase impossível que isso tenha acontecido e, em tendo sido verdade, como o foi, só me é dado ponderar que nenhum povo merece um achincalhe desse jaez.
Mas vamos lá, sádicos brasileiros. Será que mesmo vocês, só pelo fato de a Argentina ter vencido no futebol, desejam que ela se submeta a um vexame do seguinte tipo: saber que seu presidente está no comando de uma quadrilha especializada no furto e/ou apropriação indébita de joias de grande valor?
Eu espero, também, não ver o Milei vir a público para detratar as instituições de seu país. Tomara que ele não venha dizer que a suprema corte argentina
não presta, a ponto de nomear um terrivelmente evangélico para compô-la. Definitivamente, todos hão de reconhecer que é castigo demais para um país só.
Todavia, não há que duvidar de nada. Aqui, nós já vimos o presidente pregar abertamente a quebra da normalidade democrática, tramando e organizando a feitura de um golpe de estado. Nem por isso, mesmo tendo sido vítimas dessa aberração patológica, é-nos dado o direito de almejar que semelhante desgraça se repita em território alheio. Convenhamos, nem os argentinos merecem isso.
Sinto-me no dever de dizer uma palavra de consolo e esperança para os portenhos e assim o faço: sei que vocês vão sofrer; é inevitável. Mas, vejam: aqui no Brasil a enfermidade durou quatro anos. Não é pouco tempo, nós bem sabemos, mas dá para aguentar, desde que ninguém esqueça de tomar as doses certas da vacina de democracia. O vírus do fascismo não resiste ao medicamento e se esvai. Coragem. A besta é arrogante, presunçosa e perigosa. Mas não é imbatível.(Felix Valois é Advogado, Professor, Escritor e Poeta – [email protected])