Nações não têm amigos, têm interesses. Agem de acordo com o que acreditam ser melhor, dispostas a enfrentar soberanias e conveniências distintas no âmbito de um panorama internacional mutável, em que parcerias, convergências, divergências e oposições sofrem frequentes mutações. Segundo o professor Denis Rosenfield, da UFRGS, “os interesses vão se acomodando segundo as relações econômicas, militares, políticas e diplomáticas que se vão desenhando. Em situações extremas de divergências, nações tornam-se inimigas; em convergências, criam-se instituições internacionais visando à acomodação dos interesses mais amplos possíveis, com o intuito de evitar soluções de força”.
No que diz respeito à Amazônia, o insólito episódio ocorrido durante a campanha presidencial dos Estados Unidos protagonizado pelo candidato democrata Joe Biden dá bem o teor do problema. Classificando a região como “ecossistema que precisa ser protegido, indispensável ao planeta”, prometeu criar um fundo, em conjunto com outros países, de 20 bilhões de dólares para sua proteção. Não parando de destruir a floresta, contudo, (o país) “poderá sofrer significativas consequências econômicas”. Evidentemente, simples figura de retórica comum em campanhas políticas. A questão, por extremamente complexa, exige posicionamentos de maior propriedade, seriedade e responsabilidade.
A propósito, na semana passada, o vice Hamilton Mourão, presidente do Conselho Nacional da Amazônia, comandou uma viagem à região, da qual tomaram parte embaixadores de diversos países. Seu objetivo foi apresentar aos diplomatas a atuação do governo Jair Bolsonaro sobre o meio ambiente, alvo de críticas frequentes da comunidade internacional, razão maior do bloqueio dos recursos do Fundo Amazônia e dos contraditórios alusivos à ratificação do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia.
O embaixador da Alemanha no Brasil, Heiko Thoms, em entrevista à DW Brasil, afirmou que a iniciativa de Mourão foi positiva para ampliar o diálogo com o governo brasileiro, mas que não foi suficiente para mudar a percepção do governo alemão sobre o governo Bolsonaro e que não há previsão para a retomada das transferências ao Fundo Amazônia — que também é financiado pela Noruega e tem hoje cerca de R$ 3 bilhões bloqueados — ou para a ratificação do acordo de livre comércio entre os dois blocos.
As críticas de Thoms dirigem-se à ausência de um plano realista de ação do governo brasileiro para um efetivo combate ao desmatamento e às queimadas. Sem uma redução dos números do desmatamento, acrescentou, não haverá mudança no entendimento do seu país. “O governo brasileiro está informado sobre o desmatamento e os incêndios, e sobre quão grande é o problema. Há instrumentos para combater. E há órgãos governamentais muito bons. Mas esses instrumentos precisam ser utilizados de uma maneira coerente. Para isso, precisa de um plano de ação de longo prazo, com medidas concretas, cronogramas e metas numéricas, que não existem no momento”, afirmou.
Thoms salientou que ninguém questiona a soberania do Brasil sobre a região. Pelo contrário, disse esperar que o país efetivamente coloque em prática seu poder de Estado na área. “O Brasil precisa exercer sua soberania na Amazônia, combatendo atividades ilegais. A maior ameaça vem de pessoas que não respeitam as leis brasileiras. Temos um interesse comum de que as leis sejam aplicadas na Amazônia, e estamos prontos para contribuir para que isso seja feito, se o governo brasileiro assim quiser”, afirmou.
Como se pode depreender dessas divergências diplomáticas, o Conselho Nacional da Amazônia tem pela frente desafios colossais. Superá-los implica adotar políticas públicas conjuntas envolvendo Sudam, Suframa e governos estaduais ajustadas aos interesses da humanidade sobre a região, particularmente no que tange aos graves e recorrentes problemas do desmatamento e dos incêndios. Não há como fugir dessa realidade.(Osíris M. Araújo da Silva é Economista, Consultor de Empresas, Escritor e Poeta – [email protected])