Jair Bolsonaro tem toda a liberdade do mundo para manifestar e abraçar a ideologia que ache a mais correta e condizente com sua formação. Elegeu-se proclamando ser de direita e quem votou nele sabia disso. Não há engano, pois, quanto ao que ele tem feito até agora no exercício da presidência da República. O que ele não pode, mas não pode mesmo, é pretender que o país se curve à sua insanidade de agredir as instituições, numa tentativa de demonstrar que ele, pessoalmente e só ele, é capaz de dar ao Brasil os rumos pelos quais caminhará daqui para frente.
Não me fazem mossa as bravatas ridículas do Presidente, ofendendo jornalistas e adotando posições retrógradas quanto às minorias do país. A sua história não permite nenhuma manifestação de surpresa quanto a isso. Quem proclama um voto no Congresso, invocando e elogiando a figura de um notório torturador, não pode ter sensibilidade para entender as diferenças que permeiam uma sociedade de mais duzentos milhões de seres humanos. Seria esperar demais.
Bolsonaro é o que é, e, ao que me consta, não existe terapia que possa produzir alguma mudança, por mínima que seja, no seu comportamento. Devemos, em nome de elementares princípios democráticos, aprender a conviver com isso (ou, pelo menos, suportar com paciência beneditina) pelos três anos e dez meses que ainda vão durar seu mandato.
Acontece, porém, que as mais recentes atitudes desse capitão tresloucado indicam que, da parte dele e a depender dele, as coisas não devem seguir essa trajetória, que se baseia simplesmente na Constituição da República. Depois que esse general Heleno (e como o governo está bem servido de generais!) vociferou que o Congresso faz chantagem com o Executivo, o tumulto se instalou. E não foi apenas pelo “foda-se” com que Heleno perorou seu discurso fascista. Mais porque parece ter sido aceso o rastilho que pretende chegar ao barril de pólvora cuja explosão significa, pura e simplesmente, golpe de Estado. É isso mesmo. É preciso dar nome aos bois, antes de que não existam mais bois a serem nomeados.
De que outra forma se pode entender a atitude de Bolsonaro convocando manifestação de rua contra o Congresso Nacional? É quase inacreditável que isso tenha acontecido. Mas aconteceu. Está acontecendo. Já ouço os xingamentos dos fanáticos, estúpidos na sua essência, mas cheios de agressividade: é um Congresso de ladrões; ali ninguém presta; todos querem impedir que o governo implemente as reformas necessárias para o bem estar do país.
Isso não merece nem ponderação. Quando muito tem a capacidade de inspirar um sentimento de comiseração, pela pequenez do raciocínio, pela visão estreita daqueles que conseguem enxergar a árvore, mas não podem distinguir a floresta. Não se tem notícia de nenhuma democracia no mundo que tenha funcionado sem um parlamento. Pouco importa a qualidade de seus membros e eu mesmo não tenho dúvidas de que muitos que ali se encontram estariam mais à vontade entre gatunos numa cela de delegacia. Não vem ao caso. Santos ou bandidos, os parlamentares têm mandatos tão legítimos quanto o que foi outorgado ao capitão. E esses mandatos têm que ser respeitados, da mesma forma como não se há de pensar, por qualquer que seja o motivo, em usurpar o mandato presidencial.
O jornalista Juca Kfouri ponderou, com muito acerto, que o golpe deixou de ser desejo e adquiriu o status de projeto presidencial. E isso é igualmente inadmissível. Fechar o Congresso e cassar mandatos são atitudes que só podem encontrar guarida nas ditaduras. Foi assim em 64 e foi assim também em 68, quando a ditadura militar atingiu o ápice de sua fúria, parindo aquela coisa monstruosa que foi o AI-5.
Não entra no meu bestunto que essas atrocidades já tenham caído no esquecimento. Se me perguntam por que, respondo: porque são graves demais para serem tratadas com leviandade; porque são páginas tristes e angustiantes de nossa História, que, se não devem ser repetidas, não devem ser olvidadas, até em nome daqueles que se foram nas ondas da tortura, sem direito nem a uma lápide onde se lhes cultue a memória.
O presidente da República, com a sua escandalosa e irresponsável atitude de convocar manifestação contra o Congresso, agride a Constituição, eis que atenta contra o regular funcionamento de um dos poderes. É preciso não fazer ouvido de mercador para tamanha insanidade. O mínimo que o bom senso indica é o repúdio mais veemente. É o que, a partir da minha insignificância, faço agora. Tenho orgulho de ser brasileiro. E não abro mão de ser um brasileiro livre.(Félix Valois é Advogado, Professor, Escritor e Poeta – [email protected])