Tudo era apenas uma brincadeira que foi crescendo, crescendo e, de repente, virou profissão. Ou melhor, para ser preciso, virou uma grande paixão, que começou na distante década de 1960, na acanhada quadra de esportes Francisco Guimarães, do Atlético Rio Negro Clube. Foi lá que Arnaldo Santos, ainda rapazola, começou a ensaiar as primeiras narrações, nos animados jogos de futebol de salão. Sua voz e seu estilo chamavam tanta atenção que foi imediatamente notado por Luiz Verçosa, locutor experiente, que lhe ofereceu a primeira oportunidade na Rádio Rio Mar. Mas foi um outro Luiz, o Saraiva, seu grande amigo, o responsável pelo surgimento do cronista que virou uma legenda do esporte amazonense.
Enquanto o entusiasmo não passava de “transmissões” descompromissadas ao microfone do serviço de alto-falante do Rio Negro, tudo bem. Mas quando ele resolveu comunicar as suas pretensões ao pai, levou uma tremenda bronca. Para sêo Caetano, homem compreensivo, mas conservador, o ambiente do rádio não era a melhor coisa para o seu filho. Achava que aquele reduto de boêmios poderia “mudar a cabeça do garoto”. Mas não teve jeito, Arnaldo estava decidido, estava envolvido pelo esporte e, qualquer argumento que fosse usado, seria ineficaz para fazê-lo mudar de opinião. Foi a única vez que o sempre conciliador narrador discordou do pai. E o tempo encarregou-se de provar que o único vício capaz de dominar o verdadeiro desportista é o próprio esporte. Aliás, esporte não é vício. Praticar ou conviver com o esporte sempre fez bem à saúde e à alma.
No começo dos anos 1960, em Manaus, quando televisor só era conhecido pela grande maioria da população por fotografia, nos anúncios publicados na revista O Cruzeiro, o rádio amazonense vivia a sua fase de ouro. Os locutores eram muito populares, razão pela qual muitos jovens alimentavam sonhos de conseguir o prestígio de Rômulo Gomes, Índio do Brasil, Jaime Rebelo, Josafá Pires, Josué Cláudio de Souza, Flaviano Limongi, Leal da Cunha, Erasmo Linhares, Amarílio Pinto, Carlos Leal, Elias Brasil, Manoel Rosas, Jerusa Santos, Edson Paiva, João Bosco Ramos de Lima, Clodoaldo Guerra, Ernani de Paula, Belmiro Vianez e alguns outros. Foi nessa fase romântica da pacata Manaus, que Arnaldo foi levado por Luiz Saraiva para a Rádio Baré, à época pertencente aos Diários Associados.
O estúdio da PRF-6 ficava na Eduardo Ribeiro, instalado num prédio inacabado, tijolos à mostra, na parte interna, local onde hoje funciona uma agência bancária. O começo não foi tão fácil como imaginava. Teve que passar três meses lendo resenhas, na expectativa de uma chance, que aconteceu quando menos esperava. Certo dia de 1961, Jaime Rebelo, dono de um tremendo vozeirão, sentiu que sua garganta não resistiria ao sufoco de 90 minutos de transmissão. O jogo foi Fast e São Raimundo e, pela narração, parecia uma decisão de campeonato, pela vibração como foi descrito do primeiro ao último minuto. Sorte de Jaime Rebelo, também diretor da emissora, que a partir daquele dia pôde dividir a tarefa e comemorar o crescimento da audiência nas tardes de domingo.
Ao surgir como a grata revelação da Rádio Baré, Arnaldo logo percebeu que teria forte concorrência. Na Difusora surgia Carlos Carvalho, locutor completo, que em razão da sua bela voz, rapidamente conquistou seu espaço. Na Rio Mar, lá estava Mário Emiliano que, lamentavelmente, desapareceu precocemente. E, para garantir a sua fatia, não hesitou em aprimorar a sua dicção, optando pela narração fiel dos lances, “a fim de que os ouvintes de casa tivessem a noção exata de tudo que estava acontecendo dentro de campo”. Logo surgiram Luiz Eduardo Lustosa e José Augusto Roque da Cunha, Luiz Rougles, nomes que ajudaram a aumentar o clima de rivalidade nas emocionantes transmissões esportivas.
Jovem, cheio de sonhos, Arnaldo Santos entendeu que a equipe da PRF-6 teria que se fazer presente no Maracanã, na noite do dia 14 de dezembro de 1963, na segunda partida entre Santos e Milan, pelo Campeonato Mundial de Clubes. O time de Pelé, que corria atrás do bicampeonato, havia perdido o primeiro jogo por 4 a 2, na Itália. No jogo do Maracanã, o Santos não pôde contar com Zito, Calvet e Pelé, vítimas da violência dos italianos. Arnaldo, confiante no jogo da volta, deu uma circulada pelo comércio, arranjou alguns comerciais e garantiu o suficiente para bancar as despesas com a Radional ITT (ainda não existia Embratel), diárias de hotel, passagem aérea e alimentação. Botou a mochila nas costas, viajou na véspera e, para evitar problemas chegou bem cedo ao Maracanã. Anotou as escalações: Santos com Gilmar, Ismael, Mauro, Haroldo e Dalmo; Lima e Mengálvio, Dorval, Coutinho, Almir e Pepe. O Milan com Ghezzi, David, Maldini, Trapattoni e Trebi; Pelagani e Lodeti; Mora, Altafini (brasileiro Mazola), Rivera e Amarildo (brasileiro). O Santos venceu por 4 a 2 e a decisão aconteceu em 48 horas depois. O Santos ganhou o título com um gol de pênalti marcado por Dalmo. Portanto, tudo certo ou quase certo, porque Arnaldo não consegue esquecer da sua grande mancada, pelo qual foi gozado pelos demais cronistas que, como ele, estavam postados atrás das cabines de rádio. Em plena noite, Maracanã lotado, ele começou dando um “boa tarde à torcida brasileira”. Mas valeu a pena, porque foi a primeira transmissão de uma emissora de rádio amazonense do Rio de Janeiro.
Depois do sucesso do Maracanã, tomou gosto pelos grandes eventos. Lembra de Vasco e Real Madrid, Brasil e Portugal, e para provar que não era limitado apenas às narrações de futebol, incluiu no seu currículo a transmissão da grande luta e bela vitória de Éder Jofre, o nosso galo de ouro, contra o campeão José Legrá, feito que lhe valeu rasgados elogios da equipe da Rádio Bandeirantes. E para quem registrou os lances memoráveis da vitoriosa seleção brasileira de basquete de Vlamir, Algodão, Rosa Branca e Ubiratan, narrar a meritória vitória de Emerson Fittipaldi, em 1973, na Fórmula 1, diretamente de Buenos Aires, foi apenas mais um gesto de ousadia e competência. Sobre as Copas do Mundo, esteve em seis, de 1974 a1994, e ficou feliz de ver o Brasil ser campeão nos Estados Unidos no dia 17 de julho, dia do seu aniversario, na conquista do tetra.
Arrnaldo e Luiz Saraiva, após uma transmissão de um jogo da seleção amazonense no estádio Nhozinho Santos, em São Luiz, viajaram para Belém. Deveriam prosseguir viagem para Manaus pelo Constelation da Cruzeiro do Sul. Mas com a ajuda de Edir Proença, à época nome de grande expressão no radio paraense, conseguiram embarcar logo cedo num avião Catalina da Panair do Brasil, na base do pinga-pinga. Chegaram cansados, mas chegaram, sorte que não tiveram os passageiros do constelation, da Cruzeiro do Sul, que caiu na selva amazônica, escapando apenas um passageiro.
Para quem começou jogando futebol de salão, vôlei, treinou equipes de voleibol, fez televisão com enorme criatividade, atuou nas rádios Rio Mar e Ajuricaba, dirigiu a Vila Olímpica com seriedade e eficiência, Arnaldo Santos não têm planos de aposentadoria. Deseja continuar gritando gols enquanto tiver fôlego para isso. Pensando assim, dona Amélia, sua esposa, ainda terá muito trabalho pela frente com as gravações de importantes fatos que serão registrados pela inconfundível voz do marido ao microfone da Difusora. Arnaldo Santos, que já chegou aos 80 anos, garante que se Deus lhe permitir, deseja morrer gritando um gol do Rio Negro, de pênalti, contra o Nacional aos 45 minutos do segundo tempo. Mas isso ainda vai demorar para acontecer porque, com as bênçãos divinas, ainda vai viver fortes emoções por muito tempo.(Nicolau Libório é Procurador de Justiça, Jornalista e Radialista [email protected])