AVENTURA NOTURNA – Por Felix Valois

Advogado Felix Valois(AM)/Foto: Arquivo

Vivia só o Sr. Travassos. Conta-se que fora casado com moça de rara beleza, mas a mulher morrera de parto e a criança não resistiu mais que sete dias. Daí, diziam, o aspecto soturno de quem apenas cumpre o tempo que lhe resta na terra, sem maiores preocupações com a vida e suas trivialidades. Dona Antonica, consagrada gazeta do bairro, judiciosamente comentou: “Não podia viver a criança. Nem conheceu o pai”. Para D. Antonica beleza feminina e infidelidade conjugal eram companheiras inseparáveis.

O Sr. Travassos era escriturário de uma repartição pública federal, aonde fora chegar por obra e graça do deputado Costa Mesquita, antiga amizade que resultara em compadrio na semana de sobrevivência da criança.

Manaus, naqueles tempos, era uma cidade de pouco mais de cem mil habitantes. Modorrenta, dormitava no interregno que separou a “belle époque” da explosão industrial provocada pela Zona Franca.

À noite, só os boêmios e os jovens tinham uma opção de divertimento: cabarés afastados da área urbana, onde, ao som de música brega, se tomava cerveja ou rum, como preliminar de alguns momentos de amor barato num quarto onde o “banho tcheco” era o único recurso de higiene. Não era ainda a época dos motéis nem da aids e o risco de uma singela gonorreia não assustava. As farmácias Nunes e Bastos tinham estoque suficiente de benzetacil e até de nitrato de prata para os mais graves casos de “cavalos de crista”.

Deu-se que o Ministério ao qual servia o Sr. Travassos para cá enviou um inspetor. Homem de seus quarenta anos, o inspetor Eleutério Joventino aliava um rigor inabalável na verificação interna dos serviços a uma excepcional vocação para a pândega. A primeira qualidade o aproximava do Sr. Travassos, que era impossível encontrar funcionário mais correto. A segunda, nem tanto, pois o máximo que se permitia o Sr. Travassos em matéria de diversão era, na primeira sexta-feira do mês, assistir à sessão das moças no Cine Avenida, já que os dramalhões mexicanos, com Libertad Lamarque e Maria Felix, bem diziam com seu espírito ressequido.

Encerrado o expediente numa sexta-feira, eis que se apresenta um problema ao Sr. Travassos. O inspetor o convida para uma visita ao “Lá Hoje”, com escalas obrigatórias no “Shangrilá” e na “Verônica”. Se de relaxações o Sr. Travassos não gostava, ouvir falar no “Shangri-lá” lhe despertava uma aversão insopitável, pois não conseguia esquecer que ali um juiz de direito havia disparado cinco tiros de revólver contra uma prostituta, matando-a e recebendo como dura reprimenda de seus pares o reconhecimento de um homicídio culposo, com suspensão da pena.

Mas, como deixar na mão o ilustre representante ministerial?

Acionada a garage “Sportiva”, pelo telefone 1183, lá foram os dois para a noite manauense.

Guaraná “Magistral” foi o que bebeu o Sr. Travassos durante todo o tempo em que providenciou para o inspetor Joventino a XPTO mais gelada que era possível obter naquele fim de mundo.

Mas eis que às duas da madrugada, quando a vitrola do “Lá Hoje” exagerava na altura da voz de Dom Pedrito cantando “Tus ojos, tus ojos me puenen loco”, o Sr. Travassos divisa a Marlene, em evoluções circenses no meio do salão.

Com não mais de um e metro e quarenta e morena, Marlene não atendia por outro nome que não fosse “Miniputa”.

A pequena criatura, conhecida dama do cabaré, foi, a partir de então, o alvo de todos os olhares do Sr. Travassos.

— Permita a senhorita que eu lhe ofereça uma bebida, foi a abordagem respeitosa.

A Mini não se fez de rogada e a cerveja não lhe faltou, nem a ela nem à Rutona que, em verdadeiro contraponto, era senhora de um metro e oitenta. De resto, ainda obteve dinheiro para aviar uma receita para a mãe doente e voltou para os Educandos no mesmo carro de praça que o Sr. Travassos e o inspetor Eleutério, este, bêbado de juntar menino.

Não se sabe se o Sr. Travassos obteve, naquela noite ou em outra, os pródigos favores da Miniputa. Mas é indiscutível que, ao desembarcar ela do táxi, na porta de um casebre nas traseiras do Cine Vitória, a moça ouviu do Sr. Travassos:

— Tenha um bom dia, senhorita. Recomendações à senhora sua mãe.(Felix Valois é Advogado, Professor, Escritor e Poeta – felix.valois@gmail,com)