Bregas e o Futebol- Por Nicolau Libório

Procurador de Justiça Nicolau Libório(AM)

O sentido da palavra brega, atualmente, não é o mesmo de tempos idos. Se hoje brega é ser cafona, antes, nas décadas de 1960 e 1970, tinha tudo a ver com o reduto das moças de vida fácil (?), onde parte dos senhores e dos rapazes boêmios da época freqüentavam nas clássicas escapadelas. Alguns sem o menor remorso. Outros, clandestinamente.

Para o tamanho da cidade e para a população que dava os primeiros sinais de crescimento, com o advento da Zona Franca, havia um considerável leque de opções: Iracema, La Hoje, Piscina Clube, Guaraciaba, Verônica, Shangri-lá, Saramandaia, Ângelus e outros menos cotados. Era exatamente nesses locais, onde muitos cidadãos da nossa melhor (ou nem tanto) sociedade saracoteavam pelos salões ao ritmo de bolerões de Bienvenido Granda, Waldick Soriano, Carlos Alberto, Dom Pedrito e de frenéticos merengues, que muitos dos nossos grandes craques costumavam traçar seus “esquemas táticos” após os jogos noturnos ou durante a folga do meio de semana.

É bom lembrar, para que não paire dúvida, que o ambiente não era nada diferente de certos locais badalados dos dias atuais. Havia cerveja gelada, músicas para todos os gostos e a presença de mulheres com virtudes anatômicas, especialistas do entretenimento adulto, capazes de entusiasmar qualquer freqüentador. Esse era o ambiente do brega, que reunia a partir das 20 horas, conhecidos empresários, certos políticos, muitos profissionais liberais, jornalistas, radialistas e conhecidos jogadores de futebol.

Longe de casa e saturados do monótono ambiente das concentrações, a turma que mais marcava presença nos animados ambientes era a do Olympico, onde o volante Xerém tinha mesa cativa. Mas o pessoal da Associação Atlética Rodoviária não deixava por menos. Aproveitava o descuido do técnico Martim Francisco, que nunca ficava de ressaca, pois bebia diariamente, para varar a madrugada. A boate Ângelus era a preferida. Por isso, em certas noites, se alguém quisesse formar uma “seleção” de emergência, poderia contar também com alguns craques do São Raimundo, Sul América, Fast, Rio Negro e Nacional. Tinha gente que era tão assídua que até conseguia “pendurar” a conta sem maiores problemas. Merecia toda a confiança dos garçons. Cliente especial tinha seus privilégios.

Corria o segundo semestre de 1972 e o Naça estava seriamente empenhado na disputa do Campeonato Nacional. Depois de duas derrotas, começava a reanimar num convincente empate diante do ABC de Natal. Tinha um compromisso muito difícil frente ao Corinthians. A torcida começava a acreditar na ressurreição do time. Mas para a surpresa geral, sobretudo do técnico Paulo Emílio, que havia dirigido o treino coletivo no campo da Vila Municipal, explodiu a grande “bomba”. Bem cedo, quando ainda escovava os dentes, Paulo Emílio ouviu no seu radinho de pilha sintonizado na Rádio Difusora, o locutor Jurandir Vieira anunciar que o artilheiro Campos, que havia marcado um gol contra o Vasco e três contra o time Potiguar, teria sido encontrado “capotado” às 5 horas da manhã, próximo a escada que dava acesso ao salão da boate Ângelus, o brega preferido dos boêmios. Foi um deus-nos-acuda.

Chiquinho que era um garçom simpático, amigo de todos, que nunca guardou mágoa nem mesmo dos seus clientes caloteiros, foi quem achou o corpo estendido no chão. Fim de festa, dia clareando, Chiquinho resolveu dar uma circulada pelo lado externo da boate para observar o movimento. De repente, viu alguém literalmente arriado, dormindo pesadamente. Até aí nada demais, pois afinal de contas as “capotadas” eram coisas absolutamente normais. Mas de repente, alguém alertou o garçom: “Chiquinho, esse cara é o Campos”. Chiquinho, que era maluco pelo Nacional, ficou desorientado. Não sabia se ofendia o seu ídolo irresponsável ou se o tirava da sarjeta. Aliás, nem sarjeta havia. Optou por colocá-lo num táxi e transportá-lo até a concentração do clube, que ficava na rua Ferreira Pena, entre as ruas Leonardo Malcher e Silva Ramos.

Tão logo a notícia chegou ao conhecimento público, os dirigentes tiveram pressa em contornar o problema. O técnico Paulo Emílio, homem equilibrado e correto, anunciou a sua posição: Campos estaria fora do time para o jogo contra o Corínthians. Sábado pela manhã, clima tenso na concentração, Manoel Nogueira Maciel, presidente do departamento de futebol, chega acompanhado do coronel Jorge Teixeira, também dirigente do setor. Conversa vai, conversa vem, Teixeira indaga de Paulo Emílio: o que é que vai acontecer com o irresponsável ?. Paulo, responde: ele está fora do time. Oportunidade em que Teixeira voltou a indagar: ele viaja a que horas ? O técnico então respondeu que ele ficaria fora da equipe apenas naquele jogo. Depois voltaria.

Jorge Teixeira, com a sua postura de militar, retrucou: “quem está sendo punido é o Nacional não esse inconseqüente, sem consciência profissional”. Pediu, então, para ajudar a resolver o problema. Pediu que o ressaqueado Campos comparecesse à sua presença. E foi logo direto ao assunto: Campos, quero fazer um acordo com você. Vou pedir ao Paulo Emílio para escalá-lo para o jogo de amanhã. Se você jogar bem, render o necessário e fizer gols, estará perdoado. Caso contrário, você será punido em sessenta por cento dos seus vencimentos. Você topa ?.

Campos não titubeou, aceitou na hora. Negócio fechado, o jogador voltou a dormir, recuperou as energias e, no dia seguinte, fez dois golaços que garantiram a vitória do Nacional sobre o Corinthians por dois a zero. Depois do jogo tudo foi festa. Campos foi perdoado e até ganhou abraços dos dirigentes que só queriam saber de comemorar.

Quanto ao garçom Chiquinho, nacionalino fanático, que deu saltos de alegria na arquibancada do Vivaldão, nos momentos dos gols, nem queria lembrar do tal porre do seu ídolo. Para ele, atire a primeira pedra aquele que nunca deu a famosa “capotada”. E, no brega, freqüentado por muitos nacionalinos, apesar do deslize, Campos continuou prestigiado. Tudo por conta dos seus belos gols. (Nicolau Libório é Procurador de Justiça, Jornalista e Radialista – [email protected])