CANTO do FUXICO – Por Nicolau Libório

Artigos Dr. Nicolau Libório(AM)

Recentemente resolvi dar uma volta pelo centro de Manaus, bater pernas pela Eduardo Ribeiro, saber das novidades, mas não encontrei ninguém dos velhos tempos. As agradáveis conversas do Canto da Lobrás, da calçada da Pensão Maranhense, do Canto do Fuxico são coisas do passado. De um passado bem distante. Lembro que a partir do final dos anos 1980 aqueles lugares sadios e agradáveis começaram a ser ocupados pelo camelódromo que, felizmente, desapareceu. Sem deixar saudades.

Fui frequentador do Canto do Fuxico, onde fiz muitas amizades. Confidências, bate-papo descontraído e algumas fofocas aconteciam diariamente no democrático e bastante movimentado espaço. A esquina da rua Henrique Martins com a avenida Eduardo Ribeiro era o ponto de encontro das pessoas bem informadas e das que não desejavam ficar por fora dos assuntos da hora. Na Henrique Martins, em 1972, a vitrine da Relojoaria e Ótica São Paulo, onde ficou exposta por uma semana, o troféu Bola de Prata, da revista Placar, chamava à atenção. Afinal de contas, o Amazonas tinha um forte concorrente ao prêmio: Campos, um dos artilheiros do certame nacional daquele ano.

As rodinhas eram formadas no Fuxico, preferencialmente, em frente a agência da empresa de transportes aéreos Cruzeiro do Sul e da loja Capri, mas aos poucos, em razão da multiplicação de adeptos, foram se espalhando pelas imediações. Zequinha, o gerente da Capri, à porta da loja de confecções, estava sempre no lance.

Era um dos mais atualizados sobre os assuntos no dia-a-dia. Os intelectuais não deixavam de visitar, quase que diariamente, as livrarias Acadêmica, Escolar, Brito e Colegial. A banca de revistas do Amaral também era bastante frequentada.

Da metade dos anos 1960 até a metade dos anos 1980, o Canto do Fuxico, como o local foi denominado pelo radialista Geraldo Viana, o “Brasa”, foi um ponto onde todos tinham a chance de manifestação. Cada um procurava a sua turma e ficava bem à vontade para a troca de ideias. Lá todos podiam falar de tudo e, às vezes, de todos, mas com a devida cautela, porque o país vivia sob o regime militar iniciado em abril de 1964.

O expediente no Canto do Fuxico começava bem cedo. Os aposentados Cabral dos Anjos e Estevam Santos (pai do cantor) eram os primeiros a chegar e, por isso, os primeiros clientes a saborear o gostoso cafezinho na lanchonete do Zequinha, logo atrás do prédio da Cruzeiro. Depois a turma do rádio, jornalistas, alguns empresários, médicos, políticos, promotores de justiça, juízes, desembargadores, dirigentes de clubes, policiais, e quem quisesse marcar presença. O Fuxico funcionava em dois turnos. O matinal encerrava com as doze badaladas do sino da igreja matriz, anunciando o meio dia, horário em que muitos, nos rádios dos carros ou nas residências, ouviam o jornalista Josué Cláudio de Souza, que envolvia milhares de ouvintes da rádio Difusora com a sua “Crônica do Dia”.

Na época ainda não havia shopping e o movimento do comércio acontecia quase todo no centro da cidade, onde estavam também quase todas as sedes das repartições públicas do estado e do município, inclusive a chefatura de polícia, que somente

saiu da rua Marechal Deodoro no final da década de 1970, dando lugar para uma agência do Banco do Brasil.

No Fuxico, a conversa girava quase sempre em torno de futebol, a grande paixão da época, e os clubes de maior preferência eram Rio Negro e Nacional. Mas como o espaço era realmente democrático, valia a pena ouvir a turma da área jurídica como o juiz Santa Cruz Machado, o professor e Procurador de Justiça Carlos Alberto Bandeira de Araújo, os advogados Miguel Barrela, Aristófano de Castro (pai), José Batista Pessoa e outros mais. A turma da medicina, com assiduidade ou não, também assinava ponto por lá. Theomário Pinto da Costa, Franco de Sá, Jorge Alberto Mendes, para citar alguns, que sempre que podiam, davam uma passadinha para rever os amigos.

Ao término do seu expediente no prédio da Justiça do Trabalho, na rua Barroso, Flaviano Limongi, que presidiu a Federação Amazonense de Futebol de 1966 a 1974, dedicava, pelo menos, 30 minutos para atualizar as ideias com o seu grupo, que por sinal era bastante eclético. Depois, com boas informações para a sua coluna Bazar no jornal A Crítica, rumava para a sua sapataria Limongi, na avenida 7 de Setembro, atrás da igreja Matriz.

A imagem do ambiente agradável e sadio do Canto do Fuxico, que aproximou muitas pessoas, solidificou muitas amizades, que testemunhou o encontro de importantes pessoas da sociedade amazonense, só permaneceu na memória de alguns que já viveram mais de meio século. O tempo passou, mas deixou prazerosas recordações.(Nicolau Libório é Procurador de Justiça Aposentado, Ex-Delegado de Polícia, Jornalista e Radialista).11.07.25