
Sou de um tempo em que a aproximação de uma senhora fazia com que os homens se levantassem e permanecessem de pé até que ela sentasse ou se retirasse. Não havia nenhuma lei obrigando a isso. Era simples questão de educação e o gesto era feito com a mesma naturalidade com que se cumprimenta uma pessoa. Se era melhor ou pior do que agora, não compete à minha vã filosofia dizer. Digo apenas que o respeito aos outros era lição corrente entre as famílias, independente de sua condição econômico-financeira.
Naquele tempo, igualmente, ninguém jogava lixo em igarapés. As águas eram limpas e as novas gerações já não podem saber a superioridade delas em comparação com as de uma piscina. Nelas se mergulhava e se nadava, sem qualquer possibilidade de esbarrar em uma carcaça de geladeira ou em pedaços de colchão, que lá hoje são atirados como se natural fosse a prática de tamanha estupidez, muitas vezes debitada à conta da pobreza, como se esta fosse necessariamente sinônimo de falta de educação. Nunca foi.
Da mesma forma como riqueza nunca foi indício marcante de educação esmerada. Se assim fora, nunca veríamos o debiloide baixar o vidro de seu carro de luxo, último modelo, e lançar pela janela, em plena rua, a garrafa de plástico ou a lata de cerveja. O homem das cavernas tinha mais respeito pelo ambiente em que vivia, buscando manter limpo o socavão em que se protegia das intempéries. Era uma questão de sobrevivência. E de bom senso.
Não havia, é verdade, muitos automóveis na Manaus do tempo de que cuido. Os poucos que circulavam não permitiam prever que surgiria uma época em que a estultice leva motoristas a estacionarem em frente de garagens e exatamente ao lado e embaixo da placa indicativa de proibição. Isto para não falar nas filas duplas ou triplas que madames e marmanjos insistem em formar nas escolas e nos bancos. É preciso reconhecer: têm eles cuidado especial com o trânsito quando assim agem e a prova é que ligam o pisca-alerta, o que, por algum fenômeno ainda não explicado, parece ter o condão de desmaterializar seus veículos, não causando nenhum transtorno. É a idiotice com máscara de esperteza.
Nunca se teve notícia da existência de passarelas. Pelo menos no trânsito, já que desfile de modelos sempre houve. A pioneira, ao que me consta, foi inaugurada ali na esquina das avenidas Sete de Setembro e Getúlio Vargas, salvo engano no ano de
1991, e levava o nome de meu falecido pai. Hoje as passarelas se multiplicaram. Inutilmente, parece, porque, estando a poucos metros de algumas delas, há energúmenos que optam por colocar em risco a própria vida, driblando o trânsito para atravessar uma rua. Será que temos uma horda de suicidas em potencial? Ou será apenas uma faceta do que já ouvi chamarem pelo esquisito nome de síndrome das grandes cidades?
Tratar bem as pessoas sempre foi de bom tom. E não custa nada. Por que, então, temos hoje que enfrentar o atendimento nas empresas prestadoras de serviços, com seus incríveis gerúndios e suas protelações infinitas? “Nós vamos estar mandando a assistência técnica dentro de quarenta e horas”, é um dos refrões que nos ferem os ouvidos quando temos a infelicidade de necessitar de alguma atuação dessas coisas. E tente ligar para o plantão da empresa de eletricidade, quando ocorre um apagão! (É raro, mas ocorre). Se não tiver ingerido altas doses de refresco de maracujá, é possível que você não resista ao embate e termine em um hospital com um enfarto. Aí já é sua família que vai enfrentar a exigência do depósito prévio antes de qualquer providência, como se o doente estivesse ali à cata de um empréstimo, já que pedem do CPF à certidão de batismo.
Tudo modernidades, tudo falta de educação e de sensatez. Fio não manifestar nenhum saudosismo. Jamais me convenci de que o passado, só por o ser, há de ter sido necessariamente melhor que o presente. Parece, entretanto, que a convivência entre as pessoas ficou mais difícil. Não deveria ser necessária, por exemplo, a existência de leis que obriguem o respeito aos velhos. E se muitos vão pensar que advogo em causa própria, estarão cobertos de razão. Ser velho, como já afirmava o inesquecível Ulysses Guimarães, não é a mesma coisa que ser velhaco. E quem trata mal um velho, ou não o respeita, há de ter chegado à última escala da mais refinada calhordice. O mesmo se diga das crianças. O mesmo se diga do mundo, enfim, que poderia ser bem melhor se não se tivesse esquecido essa coisa elementar, chamada educação doméstica.(Felix Valois é Advogado, Professor, Escritor e Poeta – [email protected])