COMPLEXO DE VIRA LATA – Por Felix Valois

Advogado Felix Valois(AM)

Durante a ditadura, um de seus próceres mais eminentes proclamou esta preciosidade, que foi ouvida em todo o universo: “O que é bom para os Estados Unidos, é bom para o Brasil”. Eram os tempos da guerra fria e os militares brasileiros (não só eles, é verdade) davam faniquitos e precisavam de sais aromáticos à simples pronúncia da palavra “comunismo” e seus derivados. Mas a verdade é que, independentemente das circunstâncias, o dito acima foi considerado, até hoje, a verbalização mais perfeita do complexo de vira-lata que se alastrou por nosso país, com mais poder de dano do que a própria covid.

Para muita gente, vítima dessa deficiência mental, o gigante do norte era a própria materialização do Éden. Os filmes de Hollywood, um dos mais eficientes meios de propaganda, levavam ingênuas mocinhas aos mais sublimes devaneios. Eu mesmo ouvi uma dizer à coleguinha algo mais ou menos assim: “Você viu, maninha, como eles vivem bem: até as empregadas domésticas vão trabalhar no seu próprio carro”.

Tolice pura, é lógico. A jovem, por certo, não tinha condições de imaginar (até porque os filmes não mostravam e nem ela sabia racionar) que a sociedade americana é uma das mais desiguais do mundo, onde uma elite, sustentada pelo implacável capital financeiro, oprime e degrada a massa enorme de assalariados, os quais não desfrutam de qualquer garantia trabalhista. E isso apenas na superfície, porque o volume de desempregados, sem-teto, moradores de rua, miseráveis, enfim, é assustador para um país que se pretende modelo de democracia. Quem duvida, pode dar uma passada pela Chinatown, plantada em Washington, a capital.

Aquela era também a época em que a ingerência dos Estados Unidos nos negócios de outros países era aberta, descarada e indiscutível. As guerras da Coreia e do Vietnam já estão nos bons livros de história para confirmar o asserto. Na América do Sul qualquer debiloide é capaz de saber que as ditaduras implantadas no Brasil, Argentina, Uruguai e Chile derivaram de golpes de estado montados e financiados pelos ianques, através de seu Departamento de Estado e de suas agências de espionagem, com referência especial para a CIA.

Mas o nosso Brasil conseguiu, a duras penas, voltar à normalidade. Votamos uma Constituição, em assembleia feita por escolha legítima, e logramos retornar à modorrenta rotina de uma democracia burguesa. Eleições diretas, poderes harmônicos e independentes, com as instituições funcionando regularmente. É que o mundo igualmente se transformou: criou-se a União Europeia e os países asiáticos emergiram.

Os Estados Unidos já não estavam na liderança absoluta e chegou-se a ter a ideia de que nada mais poderia turvar relações normais entre países soberanos.

Ledo engano. Nenhum analista poderia imaginar que além das sete florestas, atrás das sete montanhas, Trump ainda vivia. E, mesmo tendo amargado o sabor de uma derrota, saiu de seu caixão de vidro e retornou disposto a demonstrar, de uma vez por todas, que a loucura não tem limites.

Mandou uma carta desconexa ao presidente do Brasil, da qual se infere pretender ele que o nosso chefe do Executivo interfira ou anule uma decisão judicial. Burrice ou ignorância, pode escolher. Se optar por arrogância, acertou do mesmo jeito. Mesmo com tudo isso, e ainda as questões das tarifas e as restrições a ministros de nosso Corte Suprema, seria de não dar muita confiança para essa insanidade ruiva que assola o hemisfério norte. Tudo se parece com a postura do menino emburrado porque perdeu no jogo da bolinha de gude. E, de mais a mais, cada país que cuide de seus doidos. Aqui, estamos tratando muito bem o nosso principal.

Acontece que, por incrível que pareça, há compatriotas nossos que não só estão aplaudindo o maluco, como o estão bajulando da maneira mais servil e abjeta que se possa imaginar. É a nova forma de dar expressão ao complexo.

A coisa chegou a tal ponto que ontem vi na internet a notícia de que um grupo de advogados estaria preparando “dossiês” sobre o doutor Beto Simonetti. A ideia seria enviar tais “documentos” aos Estados Unidos e, com eles, pleitear que sejam aplicadas sanções ao presidente nacional da OAB. Que que é isso, minha gente? Até aonde a idiotice pode levar seus adeptos? E toda essa papagaiada porque nosso conterrâneo, cumprindo seu dever, revelou a firme e irreversível posição da Ordem dos Advogados na defesa da soberania brasileira e do estado democrático de direito. Quanta doidice!

Nada posso. Mas aqui, da minha insignificância, transmito integral solidariedade ao meu “sobrinho”, Beto Simonetti. Vá em frente, presidente. A Ordem e o Brasil estão muito acima da mediocridade e da estupidez.(Felix Valois é Advogado, Professor, Escritor e Poeta – [email protected]) – 01.08.25