Sempre ouvi dizer que “quem é flamenguista, leproso e comunista, pode até ficar bom, mas ninguém acredita”. Tolice com pretensões de um duvidoso humor. Tenho um filho e um sobrinho que vão à loucura quando o rubro-negro joga principalmente contra o time da cruz de Malta. Como esse fanatismo só se manifesta na hora dos jogos de futebol, não vejo nenhum inconveniente na sua existência. Melhor do que eu, que torço pelo Fast Clube desde pequenininho e nunca mais tive a oportunidade de desfrutar da alegria de comemorar um campeonato.
A hanseníase, felizmente, está há muito tempo sob o controle da ciência médica. Os que têm a desventura de serem por ela afetados já não sofrem (ou não devem sofrer) os preconceitos discriminatórios de outros tempos. No medievo, as pessoas acometidas desse mal tinham que portar um chocalho no pescoço, como forma de advertir de sua aproximação. Mais ou menos como o que está para acontecer com os fumantes de hoje, que quase já não têm espaço onde lhes seja permitido o prazer de desfrutar de um simples cigarro.
Resta o comunismo. Aí a coisa pega. Vi na televisão um senhor chamado Malafaia pregando aos seus fiéis. Com um semblante de “mater dolorosa”, o orador, compungido e concentrado, pedia que o seu rebanho se entregasse ao jejum, no horário compreendido entre meia-noite e meio-dia. Era necessário e indispensável esse sacrifício gastronômico, dizia o santo homem, ao fito de afastar uma ameaça tenebrosa que pairava sobre a Nação: um comunista poderia vir a ser ministro do Supremo Tribunal Federal.
Não sei se o doutor Flávio Dino é mesmo comunista. Mas parece certo que em algum momento de sua brilhante carreira como jurista e como político, ele há de ter tomado posições que conduziram o vulgo a essa convicção. Se foi e “ficou bom”, está a confirmar o dito jocoso referido acima. Pelo menos foi o que eu vi, assistindo à sua sabatina no Senado da República. Alguns senadores, patéticos pela própria natureza, a ele se dirigiam como se estivessem na presença da própria encarnação do mal. Por conta disso, bobagens fluíram em cascata, proporcionando um longo espetáculo de histrionices, enquanto a “vítima” ia navegando, tranquila e sensata, por entre as vagas daquele oceano revolto de insensatez.
No final, foi aprovado pelo plenário. Instalou-se o terror na direita lunática. “Já não bastava o Xandão, agora ainda vem um comunista” é mais ou menos como se expressa o coro de carpideiras, todas elas esquecidas temporariamente de que a terra é plana e os extraterrestres podem chegar a qualquer momento para dar uma ajuda na campanha pela defesa de “deus, família e propriedade”.
Que coisa! Quando era criança, lembro-me de ouvir da boca de piedosas senhoras que “comunista era pior do que satanás”. Comunista comia cérebro de criancinhas, estuprava inocentes freiras e cuspia na imagem do Cristo. Já velho, ainda tive o desprazer de ouvir alguém fazer referência a um hipotético “decálogo de Lenin”, onde estariam propostas condutas absolutamente anticivilizatórias.
Nunca vi nada disso durante os anos em que fui filiado ao Partidão. Muito pelo contrário. Mas não tenho meios de impedir que uma grande massa seja tomada pela histeria anticomunista e saia pelas ruas proclamando tolices que são, lamentável e simplesmente, fruto da mais completa ignorância.
Só quero fazer uma afirmativa final: nunca tomei remédio e nem tenho a mais mínima pretensão de ficar bom.(Felix Valois é Advogado, Professor, Escritor e Poeta – [email protected])