Passei praticamente a semana inteira no hospital. Efeito de um infarto confiado que me veio atrapalhar a velhice. Não pude escrever. Reproduzo texto que me aparece atemporal. Eis aí:
Em 2004 houve eleições municipais. Em Vitória Brasil, no interior de São Paulo, o senhor Elizeu Alves da Costa era candidato a prefeito pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que se aliançou com o Partido dos Trabalhadores (PT), sendo esta agremiação presidida, na época e naquela localidade, pelo senhor José Gomes. Companheiros, companheiros, negócios à parte. Adepto da sabedoria popular para a qual “Mateus, primeiro os meus, depois os teus”, o presidente do PT não quis saber de conversa fiada e levou o candidato a cartório para dar materialidade à avença eleitoral. Ali, com tinta e papel, ficou estabelecida, entre outras, a seguinte cláusula, que é um primor de genialidade e de perfeita compreensão dos deveres dos partidos políticos perante a sociedade. Prepare-se e leia: “Fica nesta data acordo firmado entre o Senhor Elizeu Alves da Costa, candidato a prefeito municipal de Vitória Brasil, para as eleições de 03 de outubro de 2004, com mandato previsto para 2005 a 2008, sendo que se eleito for, o PT – Partido dos Trabalhadores contará com 02 (duas) Secretarias no município”.
Eleição ganha, posse com coquetel e discursos, eis que o PT passa a ministrar cursos intensivos aos seus filiados, de modo a poder escolher, com total eficiência, entre os aprovados no exame final, os dois que iriam dar a contribuição de suas inteligências à máquina administrativa de Vitória Brasil. Era uma oportunidade de ouro de mostrar à brava população interiorana a qualidade e a dedicação dos quadros petistas. Elizeu empossado, já titular da cadeira, do cofre e da caneta, parece ter sofrido surto agudo de amnésia ou de ingratidão, recusando-se a retribuir os votos que recebera por força da coligação. Mesmo quando lhe era mostrado o documento cartorário, não estava nem aí e ia empurrando com a barriga a nomeação dos dois que seriam agraciados.
O mandato chegou ao fim e o prefeito foi reeleito. Aqui, devo confessar que não sei se nesse novo pleito a aliança foi mantida, mas o certo é que nem no primeiro, nem no segundo mandato, o nosso bom Elizeu se dignou de engrandecer sua administração, nomeando, como se havia obrigado, os dois militantes petistas para as secretarias prometidas, cujos nomes também escapam a este escriba. Foi um deus-nos-acuda. O PT de Vitória Brasil convocou seu departamento jurídico, com o objetivo de encontrar solução legal, pondo cobro a tamanha deslealdade e desconsideração. A decisão, nesse campo específico, parece ter sido tomada por um daqueles advogados que confundem habeas corpus com Corpus Christi. Assim é que o senhor José Gomes, o presidente traído, ingressou, em nome próprio, com ação de indenização por danos morais e materiais contra o dito Elizeu, alegando o descumprimento do acordo, com invocações do Digesto ao Código Civil.
Levou um ralho. O juiz de direito, de plano e sem mais conversa, extinguiu o processo, ponderando que “o autor almeja a condenação do requerido ao pagamento de perdas e danos, por “inadimplemento” de contrato nulo de pleno direito (por ilicitude do objeto)”, aduzindo que “o Prefeito Municipal deve pautar a escolha de seus Secretários com base no princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, e não em conchavos ou acordos políticos; se houve negociação de tais cargos antes das eleições, tal acordo é nulo”.
Mais claro que isso é impossível e a lição deveria ter sido suficiente para sossegar o facho do demandante. Que nada! Inconformado, o perdedor recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo, ao fito, é claro, de obter reforma da sentença e conseguir a tão almejada indenização, que haveria de compensá-lo do fato de não ter logrado emplacar seus correligionários nos postos de autoridade.
No segundo grau, a sova de peia foi mais severa e mais erudita. O acórdão, que negou provimento ao recurso, estabelece, inicialmente, que “o acordo celebrado pelas partes contém vícios insanáveis, sendo manifesta a impossibilidade jurídica do pedido e, por consequência, a inépcia da inicial”. Adiante, vai mais fundo: “Com efeito, a escolha de secretários municipais deve satisfazer o interesse público e não a aspiração política de partidos políticos aliados ou mesmo o cumprimento de acordos partidários, finalidades que não se harmonizam com o princípio da moralidade da administração pública”. E ainda: “Dessa forma, assim como o ordenamento jurídico vigente inadmite a cobrança de dívida de jogo, o compromisso contraído pelo réu não enseja obrigação civil perante o Apelante, não sendo possível condená-lo ao pagamento de indenização decorrente de uma conduta que não estava juridicamente obrigado a cumprir”.
Pior do que isso, ou pelo menos mais hilário, foi o caso do juiz de direito Antônio Marreiros da Silva Melo Neto, do Rio de Janeiro, que propôs ação judicial, pleiteando que os funcionários do prédio onde mora o chamassem de “senhor” ou “doutor”. Esclarece o site Migalhas que, “segundo o juiz, o porteiro se dirigia a ele com “intimidade”, chamando-o de “você” e de “cara”, enquanto chamava a síndica de “dona”. E dizer que teve coleguinha que se prestou a assinar uma petição com esse amontoado de besteiras. E, muito pior, saber que uma pendenga ridícula como essa chegou ao Supremo Tribunal Federal! Felizmente, ali foi arquivada sem maiores considerações. Era só o que faltava.(Felix Valois é Advogado, Professor, Escritor e Poeta – [email protected])