Ingredientes: 1 – dez hectares de floresta, de preferência nativa (também é possível usar mata secundária); 2 – de cem a cento e cinquenta brutamontes (podem ser encontrados, a preços acessíveis, nos garimpos ilegais); 3 – dois mil litros de gasolina de alta octanagem (pode-se usar também qualquer outro derivado do petróleo, desde que seja de fácil combustão); 4 – mil caixas de fósforos ou quinhentos isqueiros, conforme a sua preferência e as condições de mercado; 5 – doses cavalares de leniência e/ou omissão da autoridade pública, em todos os níveis; 6 – idiotice, a gosto.
Modo de preparo: 1 – espalhe o combustível pelos troncos das árvores, em generosas quantidades. Não esqueça de borrifar os galhos de baixa e média elevação; 2 – distribua o material “humano” por todo o perímetro da área escolhida, observando uma distância, de um para outro, de aproximadamente duzentos metros (verifique se cada um está devidamente municiado dos objetos capazes de provocar chamas) 3 – quando a folhagem estiver de úmida para seca, dê a ordem para acender tantos fósforos e isqueiros quanto possível, atirando-os na direção da floresta; 4 – saia de perto.
Modo de servir: só ateie o fogo quando os ventos estiverem a uma velocidade entre vinte e vinte e cinco quilômetros por hora e a temperatura ambiente for de, pelo menos, quarenta graus Celsius, com sensação térmica de quarenta e cinco. Então, é só ver a fumaça subir e se espalhar, tomando conta do universo e dando ao horizonte uma tonalidade cinza.
Rendimento: aproximadamente dois milhões e quinhentas mil pessoas podem desfrutar do coquetel, por vários dias, se observadas, com rigor, as medidas e formas traçadas na receita. Manaus que o diga.
Uma neta me perguntou: Vô, de onde vem tanta fumaça? Como é que eu poderia explicar a verdade à criança? Mais de quarenta anos de magistério não me tornaram apto a tanto, uma vez que nunca me foi dado compreender a estupidez humana em toda a sua plenitude.
As reações ao “fenômeno” foram diversificadas. Uma senhora, em desvairada histeria, bradava contra o comunismo. “São os vermelhos que iniciaram o ataque final contra a civilização ocidental e cristã”, gritava a boa mulher. Com as mãos para cima, invocava os ETs, lembrando-os de que não podiam desampará-la novamente, já que haviam falhado na eleição do ano passado.
Outro, esse um senhor já entrado nos anos, afirmava, com inabalável convicção, que a forma de propagação do coquetel era a prova insofismável de que a terra é plana. “Estão vendo – dizia ele -, se a terra fosse redonda como pretende a esquerdalha, a fumaça viria até nós em flocos redondinhos e não assim, qual uma massa compacta, decorrente da platitude do chão por onde se alastra”.
Houve quem visse no fumacê a formação da nuvem na qual Cristo estaria iniciando sua jornada de volta ao planeta, para julgar, por sentença final e irrecorrível, vivos e mortos, justos e pecadores. Parece, entretanto, que o Nazareno deliberou adiar a viagem. A fumaça era iníqua e produto da criminalidade, não tendo dignidade para servir de transportes a celestiais passageiros. Já lhe bastara a goiabeira da Damares.
Soube de um que reagiu de forma pretensamente científica. Era um jovem (por incrível que pareça) e assim fazia sua pregação: “Os comunistas não conseguiram obrigar os patriotas a tomarem a vacina contra a covid. Por isso a transformaram em fumaça. Como somos obrigados a inalar, não tem jeito: vamos todos virar jacarés. O pior é que, com a vazante, não há lago capaz de abrigar tantos répteis”.
Este modesto escriba, recolhido à sua insignificância, ponderava: aos oitenta anos, foi-me dado imaginar já ter visto todos os tipos de sandice. A realidade mostrava o contrário. Cercado de fumaça por todos os lados, só me restou apelar para o princípio homeopático do “similia similibus curantur”. Foi então que acendi o cachimbo.(Felix Valois é Advogado, Professor, Escritor, Poeta – [email protected])