O surto do novo coronavírus tem provocado imagens incomuns na China, país de 1,3 bilhão de habitantes acostumado a ruas abarrotadas, lojas cheias e atividade econômica intensa.
Já há mais de 10 mil casos registrados, os mortos passam de 300 e a doença chegou a duas dezenas de países. A rápida propagação do vírus indica que ele pode se tornar uma pandemia, ou seja, uma epidemia em escala global.
Essa emergência global de saúde pública, conforme definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), explodiu em um período-chave do ano para a maior economia da Ásia.
O índice composto da Bolsa de Xangai, reaberta após duas semanas de recesso, despencou quase 8% nesta segunda-feira (3), o patamar mais baixo em quatro anos. Foram atingidos principalmente os papéis de empresas dos setores de manufatura e bens de consumo, enquanto companhias de saúde subiram quase 10%.
Gigantes como Toyota, Starbucks, McDonald’s, Foxconn e Volkswagen reduziram ou paralisaram suas atividades na China.
Mas os efeitos são sentidos muito além do continente asiático. “Nossas exportações, no momento, pode ser que afetarão 3%. Isso pesa para nós. Afinal de contas, a China é o nosso maior mercado exportador (importador)”, declarou o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro.
Queda nos gastos
Todas as Províncias da China registraram ao menos um caso de coronavírus, o que desencadeou medidas excepcionais, como quarentenas em dez cidades, incluindo Wuhan, epicentro do surto onde vivem 11 milhões de pessoas.
Autoridades chinesas pediram a mais de 40 milhões de habitantes dessas localidades que não deixem suas casas ao longo de duas semanas.
Desde 31 de dezembro, quando o alerta sobre o vírus foi emitido, grande parte das famílias nas cidades afetadas destacou somente um de seus membros para sair às ruas em busca de mantimentos, e apenas quando for estritamente necessário.
Os “eleitos” saem então equipados com todas as medidas de segurança disponíveis, como máscaras e luvas, até o mercado ou a farmácia mais próximo. E voltam o mais rápido possível.
Pode acontecer também que o estabelecimento esteja fechado ou desabastecido.
Em plena celebração do Ano Novo Lunar, uma das datas mais importantes do calendário chinês, em diversas cidades quase ninguém compra presentes, gasta dinheiro ou come fora de casa.
Parte da “fábrica global”, como é apelidada a China pela potência exportadora, está virtualmente parada, e a atividade econômica, desacelerando em diversas regiões do país.
Como consequência, afirmam os analistas, a conta vai ser grave ou muito grave, a depender da capacidade de as autoridades conterem o avanço do surto.
De todo modo, há um outro grande obstáculo em relação aos números disponíveis para serem analisados. “Neste ano, os economistas estão em ‘voo cego’ também porque os dados que vêm da China são escassos, irregulares e pouco confiáveis”, afirmou Karishma Vaswani, repórter da BBC que cobre o segmento de negócios na Ásia.
Ventos contrários
“Os danos econômicos do surto já estão começando a aparecer”, afirma David Lafferty, estrategista-chefe da Natixis IM, empresa francesa que gerencia mais de R$ 1 trilhão em ativos.
Ele aponta impactos em indicadores de consumo e atividade econômica, e eles “provavelmente vão se agravar nas próximas semanas”.
O especialista aponta que o surto afeta a China num momento delicado para sua economia.
Números oficiais mostram que a segunda economia do mundo cresceu 6,1% em 2019 em relação ao ano anterior — o pior índice em 29 anos.
O país asiático passa por um período de desaceleração, e o avanço da doença deve “comer” de 1 a 2 pontos percentuais do crescimento do PIB.
A disseminação do surto de coronavírus e as rigorosas medidas de quarentena impostas para contê-lo, bem como o menor consumo de empresas e indivíduos, levantam dúvidas sobre a força de uma possível recuperação.
Os dados da atividade econômica mundial sinalizaram recentemente uma “recuperação moderada, graças ao fato de que a primeira fase do acordo comercial entre a China e os EUA foi mais ampla do que o esperado”.
“A epidemia de Wuhan pode paralisar essa fase que a economia global está se recuperando”, diz Philipp Immenkötter, analista do instituto de pesquisa Flossbach von Storch.
Produção parada
Wuhan é a sede dos principais produtores chineses de automóveis e aço — mais de 300 das 500 maiores empresas do mundo estão presentes na região.
Como observa Philippe Waechter, diretor de análise econômica da gestora de ativos Ostrum AM, é um centro industrial e de transportes “impulsionado pelo recente boom do mercado automotivo na China”.
Até as bolsas reagiram ao coronavírus. Além da queda no índice de Xangai, as bolsas de valores dos EUA também estão sob pressão.
Muitas fábricas permanecem fechadas. A Google, por exemplo, aderiu à decisão de outras grandes de tecnologia, como Amazon e Microsoft, de fechar seus escritórios na China, Hong Kong e Taiwan.
Fabricantes de automóveis, como a General Motors e a Toyota, pediram a seus trabalhadores que estendessem suas folgas do Ano Novo Chinês, com fábricas fechadas até pelo menos 9 de fevereiro.
Como se isso não bastasse, o turismo interno e externo está em seu patamar mínimo depois que as principais companhias aéreas do mundo decidiram suspender voos para o país.
Dados históricos
A experiência de pandemias anteriores mostra que as doenças infecciosas nunca são boas para dados macroeconômicos.
“Ainda é muito cedo para quantificar o impacto econômico do novo coronavírus, mas para avaliar choques inesperados como esse, a abordagem mais razoável parece ser olhar para os precedentes”, explica Gilles Moëc, economista da gestora de ativos AXA IM.
“Nesse sentido, a crise de Sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave, que matou mais de 700 pessoas) em 2003 reduziu o PIB da China em 1,1% e o de Hong Kong em 2,5%, enquanto o impacto no PIB dos Estados Unidos foi de 0,1%.”
Mas a presença da China nos mercados internacionais agora não é a mesma de 17 anos atrás.
Se em 2003 a participação da China no total foi de US$ 1,6 trilhão, em 2019 foi de US$ 14 trilhões.
“A universalização de um impacto na economia chinesa não deve ser subestimada. O país representa 18% do PIB mundial, uma parte equivalente das exportações mundiais e hoje está mais entranhado no turismo mundial do que em 2003”, afirmou Rick Muller, diretor de estratégia da companhia de investimentos Muzinich & Co.
Mark Haefele, do banco suíço UBS AG, no entanto, estima que “os relatórios iniciais mostram que podemos prever que as consequências econômicas serão menores que durante a epidemia de Sars em 2003”.
“A Sars durou oito meses, mas causou um declínio acentuado no crescimento econômico da China em apenas um trimestre, seguido por uma rápida recuperação. A Mers (Síndrome Respiratória do Oriente Médio) na Coreia do Sul em 2015 seguiu um padrão semelhante”, diz Haefele.
E o Brasil?
Bolsonaro afirmou na sexta-feira (31) que as exportações brasileiras podem cair 3% por causa do impacto econômico do novo coronavírus.
Em 2018, o primeiro ano da guerra comercial entre chineses e americanos (que gerou oportunidades para o Brasil), as exportações brasileiras para a China cresceram 35% na comparação com 2017, gerando uma balança comercial positiva para o Brasil em US$ 30 bilhões.
A soja foi a maior beneficiada, com uma exportação adicional de US$ 7 bilhões para a China, na comparação com 2017.
Até agora, o setor não foi afetado, disse no mesmo dia o secretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia, Marcos Troyjo, em evento no Rio.
Naquela ocasião, Troyjo listou o coronavírus como um dos importantes fatores de incerteza para o crescimento econômico brasileiro, sem dar detalhes sobre sua análise.
Até o momento, o Brasil tem mais de uma dezena de casos suspeitos do novo coronavírus, mas nenhum foi confirmado.(Terra/BBC News Brasil)