É o meu quinquagésimo sétimo. Dia dos Pais. Veterano, cuido poder dizer que vejo as comemorações como inteiramente distorcidas. Deveríamos dedicar a data para agradecer aos nossos filhos, exaltando o só fato de eles existirem. Agradecer-lhes pelas alegrias que nos proporcionaram e pedir-lhes desculpas pelas negligências que, com certeza, cometemos no laborioso processo de educá-los e vê-los crescer. O pior é que a coisa passa com a rapidez da luz. Ainda há pouco era o garoto a querer brincar com o trenzinho ou a menina para quem a boneca representava o mundo. De repente, não mais que de repente, ei-los adultos, com as mesmas desesperanças e preocupações que marcaram as vidas de seus pais. Pouco importa. Desde seus nascimentos, queiramos ou não, tudo muda e muda para melhor.
Nos encantamentos da primeira idade, o sabor da alegria e da contemplação extasiada é uma constante. A criança é o centro do mundo, e não só para ela, egoísta por natureza e definição. Muito mais, diria eu, para os pais deslumbrados que, a um simples e inusitado balançar de braços ou pernas, insistem em ver um espetáculo fascinante, capaz de lhes arrancar as mais esfuziantes manifestações de aplauso. Há que ser assim, pois aquele projeto de gente consegue concentrar em si a mesma atenção, ou maior, que desperta a execução de uma sonata mozartiana. Na verdade, tudo o que o pequeno ser intenta ou realiza soa como música pura, acordes de harpa com solo de violino, sem nenhuma interferência, afianço, de qualquer ameaça de dupla sertaneja.
É cansativo vê-los iniciar o processo de socialização, com a frequência à escola. Tem início o embate das contradições dialéticas, sem as quais permaneceríamos estagnados. A paciência paterna começa a ser exigida em maior dose, uma vez que a curiosidade inerente à fase põe à prova a capacidade de permanecer sereno, afastando qualquer tipo de irritação. Para compensar, estão eles mais ternos e carinhosos, distribuindo afeto e gentileza, já então por palavras e gestos.
Quem não teve que acolher em sua própria cama a criança encolhida, com medo do “monstro” que lhe surgiu no quarto? Tolice querer argumentar com a realidade. Sem fantasia o mundo deles não existiria e a nós nos faltaria o supremo prazer de acolhê-los com o mais terno dos carinhos, afirmando, sem receio de enfrentar a psicologia politicamente correta, que “com o papai, o monstro não chega perto de você”. E não chega mesmo porque uma simples atitude desse tipo é mais que suficiente para que, no dia seguinte, na mesma hora, o pequeno durma sozinho e sem medo aquele sono que nos faz inveja. Sem me preocupar com o risco de parecer piegas, vejo nisso uma forma sublime
do amor paternal e este, perdoem-me os doutos, não se pode medir por parâmetros prefixados, nem se enquadra em tabelas informatizadas.
As doenças são uma provação. A febre mais tenra adquire proporções gigantescas e apavora-nos o medo de que o tubo do termômetro seja incapaz de conter a explosão de mercúrio. É uma forma quase diabólica de manifestação amorosa, essa em que a preocupação com o bem-estar do ser amado anula o raciocínio lógico, a exigir solução imediata para o problema. Mas tem lá suas compensações: as noites mal dormidas durante as enfermidades perdem de longe para o regozijo de lhes ver o retorno da saúde, quando, então, parece que adquiriram feições divinais.
Isso já bastaria para a sustentação do meu ponto de que devemos aos filhos, no Dia dos Pais, os mais profundos agradecimentos. Mas falta a outra face. Se quisermos ser absolutamente sinceros, termos que reconhecer que mais, muito mais, poderíamos ter feito por eles. Por que, ao invés de ir para a cervejada com os amigos, não fiquei em casa, a ler histórias da carochinha ou, simplesmente, contemplando as crias? É um paradoxo insuperável. Achando que a vida exige muito mais que a mera convivência no lar (coisa que, infelizmente, é verdade), extrapolamos na forma de enfrentar essa evidência e, num tolo egoísmo, priorizamos interesses individuais que, quase sempre, estão marcados pela mais lamentável futilidade.
Seja como for, não escrevo com a intenção de fazer proselitismo. Falo por mim e pela minha experiência nesse mais de meio século de paternidade. Luís Carlos, Lucíola, Alfredo e Lúcia me deram o que jamais imaginei fosse possível: a capacidade de amar sem exigências de retorno, amando pelo prazer de amar em si mesmo. Com eles, não consegui construir o mundo com que sempre sonhei. Mas valeu a pena lutar por isso, até porque com eles travei o bom combate, tendo ao lado sua lealdade e o seu afeto. Quem tem filhos como os meus pode até não seguir o meu exemplo. Paciência. Faço-o sozinho: meus filhos, seu velho pai não lhes soube dar riqueza; ela sempre esteve acima da minha capacidade. Mas, fiquem certos: é impossível medir a gratidão que lhes devoto pela sua existência, assim como é imensurável a minha vergonha por tudo aquilo em que lhes falhei. Tenham toda a felicidade do mundo em mais esse Dia dos Pais.
Lembre-se: Manaus, quem ama, respeita.
(Felix Valois é Advogado, Escritor e Poeta – [email protected])