O governo federal resolveu direcionar seu arsenal bélico-financeiro contra os cursos de Filosofia e Sociologia, reduzindo-lhes drasticamente as verbas e impondo limitações. Na essência da atitude, o conteúdo ideológico: o Planalto vive assombrado pelo fantasma do “comunismo” e essa paranoia o leva a entender que tais ramos do conhecimento ensejam, necessariamente, a adoção de posturas esquerdistas. É uma rematada tolice. A uma, porque a conclusão não é verdadeira e, a duas, porque, ainda que fosse, não estaríamos diante de uma ameaça apocalíptica.
Que o governo é de direita tem-se como verdade indiscutível. O seu titular jamais camuflou suas tendências, expondo claramente suas opiniões e exercitando um direito que a ditadura, por ele endeusada, sempre negou. Mas foi eleito legitimamente e é natural que busque marcar sua passagem com o timbre de sua formação. Não lhe assiste razão, contudo, quando, no exercício desse mister, desanda para a adoção de comportamentos que o mais elementar bom senso está a repelir. E qualquer ameaça à liberdade de pensamento entra nessa categoria.
Por que ter medo da filosofia? Ninguém pode pretender possuir uma estrutura cultural minimamente aceitável se jamais passeou pelos seus meandros, ainda que de maneira não muito profunda. Só ela pode ajudar a entender o mundo. Se, a partir desse entendimento, alguém vai buscar transformá-lo são outros quinhentos. Mesmo tendo presente a questão fundamental da filosofia (a oposição entre matéria e pensamento e a precedência de um ou outro), é imenso o leque de opções, sendo possível encarar o idealismo de Platão e sua caverna e depois mergulhar no materialismo de Marx e sua dialética.
O ensino no Brasil há muito tempo não é lá essas coisas. Com o golpe de 64 o panorama ficou ainda pior. O latim foi banido das grades curriculares do nível médio. As consequências foram desastrosas para o aprendizado da língua portuguesa. As redações do ENEM são testemunho vivo do descaso com que é tratado o vernáculo, não só em termos de redação propriamente dita, mas também, e mais importante, na absoluta ausência de conteúdo e de raciocínio lógico. A pessoa consegue graduação superior, mas é capaz de atrocidades como “escessão” e “omissídio”.
A filosofia também foi jogada para escanteio, sendo muito recente o seu retorno às salas de aula. Jamais consegui entender o motivo dessa exclusão. Não me é dado perceber como é que as maiores autoridades do setor educacional tratam a matéria como se de somenos importância fora, quando, na verdade, ninguém precisa atingir as alturas de Sócrates, mas também não precisa ficar no patamar de Olavo de Carvalho.
Aliás, o comportamento desse cidadão deveria ser mais que suficiente para tranquilizar o governo quanto à esquerdização do ensino, por meio da filosofia. É ele, segundo consta, doutor na matéria, tendo conseguido a duvidosa honraria de ser alçado ao posto de guru do próprio presidente, que lhe segue os ensinamentos com dedicação apostólica. Ora, mas o doutor Olavo, com todos os graus filosóficos que adquiriu e possa continuar adquirindo, consegue pensar exatamente como um tiranossauro, o que, a meu modesto sentir, é prova insuspeita de que a filosofia por si mesma não tem o condão de corrigir as deformações pessoais dos que a ela se dedicam.
Estava eu no meio da construção destas mal traçadas linhas, quando me chega a notícia de que o Ministro da Educação, cujo nome confesso não saber escrever, pariu mais uma preciosidade. Eis o “raciocínio” de Sua Excelência: como um estudante de graduação custa dez vezes mais que uma criança na creche, e levando em conta que é prioridade fortalecer o ensino fundamental, o governo vai desamparar um graduando para acolher dez infantes. Parece brincadeira, mas não é. Infelizmente, não é. Estamos diante de uma realidade cruel em que o ente governamental não consegue estabelecer o mínimo de equilíbrio nas metas de um setor fundamental para o país, como sóis ser a educação.
É preciso mais seriedade. A perseguição à filosofia e à sociologia, que os ideólogos de Brasília confundem com socialismo, só teria lugar num ambiente em que o manual de conduta se expressasse através das páginas do “Martelo das Feiticeiras”. Em não sendo esse o caso, urge insistir num retorno à sanidade, convencendo os homens do Planalto de que o governo está necessitando de mais filosofia séria e menos burrice acachapante.(Félix Valois é Advogado, Professor, Escritor e Poeta – felix.valois@gmailcom)