FUGA, PRISÃO OU HOSPÍCIO – POR Felix Valois

Advogado Felix Valois(AM)

Talvez cansada de exibir sua vocação para a pistolagem, Carla Zambelli fugiu. Ao fito de permanecer impune, parece pretender se escudar na cidadania italiana que diz possuir. A lei brasileira, é bom saber, não pune a evasão ou a tentativa de evasão do preso, salvo quando praticada com violência contra a pessoa. Não é, à evidência, o caso dela, já que se escafedeu sorrateiramente, não mais correndo armada pelas ruas de São Paulo, mas confortavelmente instalada na primeira classe de um voo comercial. Mas, se queria fugir, por que não o fez no início do processo a que respondeu? Teria sido mais tático e inteligente, uma vez que pelo menos retardaria o andamento do próprio feito. Nada. Parece que seus neurônios (e nem sei quantos são) só funcionam quando estimulados pelo contato com o aço frio da arma de fogo.

Aliás, o espetáculo todo de desmanche do bolsonarismo tem sido de causar pena. Conquanto qualquer castigo seja pouco depois do que eles fizeram ao longo de quatro anos, não é agradável ver como um ser humano pode chegar à degradação mais abjeta. Antes prepotentes, agora submissos. A arrogância cedeu lugar a um tipo de modéstia, que seria exemplar se não fosse ridícula.

Interrogado, o próprio Jair Bolsonaro não era mais o homem que deitava falação estéril diante do cercadinho do Alvorada. Dissipara-se, também, a disposição macabra que ele já demonstrou, quando se deixou filmar arremedando grotescamente uma pessoa com falta de ar. Da mesma forma, não se vislumbrou nada daquele presidente da República que, num deboche sem precedentes, gritava em praça pública que é “imbrochável”. Era apenas um homem visivelmente amedrontado, certo de que falharam todas as armadilhas que preparou contra o Brasil e que estava diante do julgamento implacável.

Nos meus sessenta anos de advocacia criminal, nunca ouvi dizer, nem mesmo no “direito penal em quadrinhos”, que o “temperamento” funcione como descriminante ou que seja causa de exclusão da imputabilidade. Pois não é que Bolsonaro inventou isso? Indagado sobre alguns dos desmandos e idiotices que praticou, simplesmente disse algo assim: “O senhor sabe, não é ministro, como é o meu temperamento”. Vamos lá: quando fez a campanha antivacinação e endeusou a cloroquina, devia estar com o temperamento no modo estupidez. Já quando revisou a minuta do golpe e tramou contra a vida de autoridades, foi ativado o modo violência bruta. Quando fugiu para não entregar a faixa ao sucessor, o ponteiro se deslocou para o modo vergonha absoluta. Quando pediu e recebeu pix de otários, era singelamente o modo

ganância. Ao consentir, pela omissão, nos acampamentos de fanáticos à frente dos quartéis, foi a vez do modo misto burrice/zombaria a predominar.

Fosse eu o advogado do Bolsonaro (encargo que só aceitaria se fosse para não desonrar meu juramento), estaria, a esta altura, muito propenso a suscitar o que o Código de Processo Penal chamada de “incidente de insanidade”. Funciona mais ou menos assim: a defesa argui que o réu sofre de doença mental ou que tem desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Se for instaurado o incidente, o acusado será submetido a perícia psiquiátrica. No caso de que se cuida, parece induvidoso que os peritos concluíram unanimemente pela existência do distúrbio mental. Mas só isso não basta. Para favorecer a defesa, será necessário que o laudo constate que o transtorno é de tal monta que, no momento mesmo da prática do crime, privou o réu, total ou parcialmente, da sua capacidade de “entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.

De qualquer forma, essa doidice pode diminuir a pena privativa de liberdade, ou, no caso de insanidade total, fazer com que ela seja substituída por internação em hospital de custódia e tratamento (leia-se: hospício). Qualquer que seja o resultado do julgamento no Supremo, até essa solução seria satisfatória. Prisão ou hospício. Tanto faz. O importante é que nos vejamos livres dessa figura malfazeja e impertinente. Melhor será, ainda, se, com o chefe, forem todos os seus asseclas e seguidores. O Brasil agradece.(Felix Valois é Advogado, Professor, Escritor e Poeta – [email protected])