GERÚNDIOS E ADVÉRBIOS – Por Felix Valois

ARTIGOS: Advogado Felix Valois(AM)

Ligo para a empresa de telefonia para reclamar de um defeito. Coisa rara, é verdade, já que me parece haver unanimidade quanto à excelência dos serviços prestados por todas as operadoras, a ponto de quase nunca se encontrar um celular que não esteja funcionando plenamente. Mas, enfim, acontece, como aliás, já em outro ramo, pode atestar a Amazonas Energia que, apesar de todos os esforços e investimentos, ainda não conseguiu solucionar uma incompatibilidade fundamental, qual seja a de energia elétrica e água da chuva.

Voltando à vaca fria: a moça me atende e explico que o meu telefone, desde já algum tempo, embirrou de me dizer, quando tento me comunicar com alguém, que “esse aparelho não está programado para efetuar chamadas”. Como não o comprei para outra finalidade, nem me interessa que ele a tenha, busco saber a razão de tão inusitada situação, afiançando-lhe, de antemão, que não se trata de defeito financeiro, eis que me acompanha o hábito, cuido que saudável, de manter minhas contas em dia.

A jovem (suponho que o seja, pelo timbre de voz) busca ser gentil, o que não é pouco diante de coices que já levei em algumas aventuras do mesmo tipo. Nessa tentativa, ela mimoseia meus ouvidos com as seguintes preciosidades vernáculas: “Eu vou estar encaminhando sua reclamação para o nosso departamento de defeitos, que, afianço-lhe, vive quase em ociosidade. A equipe técnica vai estar entrando em contato com o senhor em, no máximo, quarenta e oito horas, ou em “menas” horas, se for possível”. Tenho que manter no ritmo e respondo: “Vou estar agradecendo a você se conseguir que este maldito aparelho me dê “menas” aporrinhação”.

E assim vai vivendo a língua portuguesa. De gerúndio em gerúndio, de um advérbio inexistente para outro. Ninguém sabe quem inventa, ou de onde vêm, essas monstruosidades linguísticas, mas, tal qual as bruxas, que elas existem, existem. E não são poucas nem restritas a uma determinada faixa da população. Outro dia, um aluno levantou os olhos do texto que estava tentando ler e perguntou: “Professor, o que é “obísta”? Respondi que não sabia e, buscando ser agradável, ponderei se ele não estava querendo dizer “lobista”. Já aborrecido, o moço disse: “Não senhor, é “obísta” mesmo. Está aqui com todas as letras”. E, num rasgo de suprema generosidade para com a minha ignorância, escandiu: “o-b-s-t-a”. Com modéstia e prudência necessárias,

lembrei-lhe que, ainda no terceiro ano primário, as professoras Olga Rocha e Neuza Lemos haviam metido nas nossas estúpidas cabeças infantis, que a língua de Camões desconhece palavra em que a sílaba tônica não possua vogal. Ensinamento devidamente ratificado, no ginásio, pelo professor João Chrisóstomo de Oliveira, de tal forma que, tendo em vista a idoneidade das fontes, a palavra que o moço estava tentando ler tem a tônica no “o” inicial e é da mesma família do obstáculo que, por certo, lhe estaria dificultando o funcionamento do cérebro. E isso em plena Universidade.

Por essas e outras, não me causou estranheza quando (ainda as empresas telefônicas), em outra ocasião, a atendente me explicou, com a paciência típica de quem lida com um energúmeno, que, para eu obter determinada informação do meu aparelho, o procedimento era singelo. Disse: “O senhor digita zero, “asterístico”, jogo da velha e zero, novamente”. Digitei, e a mensagem que visualizei era justa e perfeita: “O senhor é um burrístico”.(Felix Valois é advogado, Professor, Escritor e Poeta – [email protected]) – 01.11.25