HOTEL AMAZONAS E OUTROS ABSURDOS – Por Felix Valois

Artigos: Advogado Felix Valois(AM)

Transformaram o Hotel Amazonas num depósito de bagulhos. Era tamanha a quantidade de mercadorias “made in Paraguay”, que Polícia e Receita tiveram que intervir, transformando o local e adjacências em verdadeira praça de guerra, com direito a mandados, sirenes e completa cobertura da imprensa. Dizem que havia desde camisinhas até produtos eletrônicos de alta sofisticação, por certo aguardando o momento propício para a devida distribuição entre camelôs mais ou menos sofisticados. E tudo iria parar nas maravilhosas bancas que, a partir de um apelo de duvidoso conteúdo social, se reproduzem como preás, tornando impossível a circulação de qualquer ser humano normal.

E pensar que o Hotel Amazonas já foi o símbolo da sofisticação desta capital! Os mais jovens não tiveram oportunidade de ver sua propaganda comercial, estampada nas capas dos catálogos telefônicos, ostentando o edifício sobre uma vitória-régia, em plena selva, com a efígie de uma robusta onça pintada. Isso nos tempos pré zona franca, quando a cidade crescia em ritmo normal, sem invasões e sem violência, salvo aquela que se há de encontrar em qualquer aglomerado humano. Numa cidade essencialmente horizontal, os seis andares do hotel se destacavam, revelando o empreendedorismo de Adalberto Vale, sequenciado pela correta gestão de Vasco Vasques e sua equipe de executivos.

No térreo, o Mandi’s Bar, onde era possível, na tarde-noite embalada pela brisa do Rio Negro, degustar desde uma cuba-libre até o melhor uísque, genuinamente escocês, se me permitem a redundância. Tudo ao som civilizado de um piano, cujas teclas ondulavam sob os dedos quase mágicos de Gil Barbosa ou Mozart Tavares.

Desapareceu o hotel. O tal “livre comércio” lhe teceu das suas e ele veio de sucumbir. Não teve morte gloriosa, eis que em sua sucessão, em azáfama febril, logrou-se êxito na ingente tarefa de transformá-lo num pardieiro de proporções gigantescas, onde, à sorrelfa, praticam-se atividades de todo tipo, nem sempre com a licitude e transparências que hoje se exigem de qualquer dirigente de monte pio. Tinha mesmo que dar em ocorrência policial, a significar melancólica exumação do cadáver do que foi outrora o tempo da hotelaria.

Triste fim. Pior talvez do que tiveram outras preciosidades de Manaus, simplesmente destruídas e aniquiladas pelo vírus da especulação e da ganância. Ali está, por exemplo, o monstrengo que se ergueu no local onde funcionou o Cine Guarani, em pleno coração da cidade. Lá está ele a rir de nós outros, enquanto rios de dinheiro circulam pelos guichês bancários, modernos substitutos das singelas bilheterias do cinema que acolhia jovens e velhos, em sessões de faroeste e dramas ou, nos dias de aniversário, de completos festivais da Disney, a fazerem a alegria da garotada que comparecia em peso às matinais, com início impreterível às nove horas.

Também foi abaixo o palacete dos Miranda Correia. Na esquina da avenida Eduardo Ribeiro com a rua Monsenhor Coutinho, em frente ao Ideal Clube, era um monumento de lembrança da época áurea da borracha, quando bondes e charretes aqui trafegavam, sem que se soubesse ainda o que eram semáforos. Foi substituído, é verdade. Em seu lugar está erguido um espigão, insosso e disforme, que, se por ele visto, há de ter causado lágrimas e/ou gargalhadas no grande Oscar Niemeyer. Mas o monstro segue firme, sarcástico e zombeteiro, olhando do alto para esta gente que circula sem se dar conta do crime cometido.

E os igarapés? Destes não dá nem para falar, não sem tristeza e raiva. Hordas incontidas realizaram trabalho primoroso de destruição. Assorearam-lhes os leitos, poluíram-lhes as nascentes, conseguindo transformá-los em deploráveis esgotos, onde flutuam a céu aberto os produtos da negligência e da omissão criminosas. Mas, diz-se, o Prosamim os recuperou. Sem comentários. Não tenho tanto senso de humor.

Se isso que escrevinhei tem cara de saudosismo, tenho de confessar que é mesmo. Manaus não merecia essas agressões. Nunca mereceu. E, como seu amante confesso e ardoroso, tributo-lhe este modesto protesto que, para mim, tem o mesmo sentido de ofertar-lhe uma rosa dourada. Querida Manaus!(Felix Valois é Advogado, Professor, Escritor, Poeta – [email protected]) – 19.07.25)