
Quando se trata de tentar justificar o injustificável, a ignorância e a má-fé operam como sinônimos perfeitos. O pensamento vem em razão do julgamento que ora se realiza no Supremo Tribunal Federal. A respeito dele os maiores disparates têm sido ditos e publicados, como se fossem verdades que dispensem o buril. Não é bem assim e alguns esclarecimentos precisam de vir à tona.
Ninguém é obrigado a conhecer os meandros da ciência jurídica e os que se enquadram nessa hipótese hão de estar proferindo suas tolices em virtude de ignorância específica, que, afastando a má-fé, serve como tênue justificava para o entendimento deturpado. É certo indicar o bom senso que, diante do que nos é desconhecido, é de bom alvitre não emitir opinião. Fosse observada regra tão elementar e não seríamos obrigados a ouvir esta deprimente indecência: “Como alguém pode ser julgado por um golpe que não existiu”.
Haja paciência para explicar. Vejamos se quarenta anos de sala de aula me ajudam a ser claro e objetivo. Quando o legislador penal cria um crime (tipifica uma conduta), ele o faz pensando na forma consumada do delito. Assim, o tipo “matar alguém” implica em que uma pessoa morreu em decorrência da conduta de outrem. Mas ninguém vai encontrar no código penal o tipo “tentar matar alguém”, apesar de toda a gente saber que a tentativa de homicídio também é punível. Como isso é possível? Simples: ao fito de evitar desnecessárias repetições, a lei estabelece dois parâmetros, dizendo que o crime é consumado “quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal” e é tentado quando “iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente”. Se eu disparar um tiro de revólver contra Fredegundo com a intenção de lhe tirar a vida, mas errar o alvo, iniciei a execução de um homicídio, mas a minha punição será a título de tentativa porque circunstâncias alheias à minha vontade impediram a consumação.
Vamos às normas punitivas, em cada caso. O que se acha estabelecido é singelamente isto: “salvo disposição expressa em contrário, pune-se a tentativa com a mesma pena do crime consumado, diminuída de um a dois terços”. Chamo a atenção para a primeira parte do dispositivo porque ela obviamente permite concluir que a regra dessa forma de punição não é absoluta, admitindo exceções. São os casos em que, por questão de política criminal, o legislador equipara a forma tentada à forma consumada do crime, estabelecendo a mesma quantidade pena para ambas. É o caso da fuga de presos com o cometimento de violência contra a pessoa, em que a lei reza: “evadir-se ou tentar evadir-
se”. Pouco importa que a fuga tenha êxito ou não, a pena será exatamente a mesma, já que foi aplicada a ressalva antes mencionada.
Ademais de tudo isso, há crimes em que a própria realidade objetiva impõe reconhecer que, se consumados, a imposição de pena seria literalmente impossível. É precisa e exatamente a questão do golpe de estado. Sua consumação implicaria em que os rebelados obtiveram sucesso na sua empreitada, derrubando o governo legítimo e assumindo eles mesmos o comando da máquina estatal. É preciso ser um debiloide de última geração para imaginar que os autores dessa conduta iriam punir a si próprios, uma vez encastelados no poder.
Até aqui cuidamos da ignorância técnica. O pior, entretanto, é constatar existir gente que sabe muito bem de tudo isso, mas incide no mesmo comportamento, proferindo despautérios a mancheias. Entramos, então, no domínio da mais pura e simples má-fé. O que a motiva e o que a sustenta é difícil de saber e muito mais de explicar. Paixão política? Conveniência pessoal? Fanatismo? Qualquer que seja a resposta, coisa boa não é.
No momento em que o Brasil é vítima da sandice de um tresloucado governante estrangeiro, deveríamos estar unidos e resolutos na defesa da Pátria. Esta, contudo, está sendo colocada em segundo plano pelos que preferem idolatrar um pulha a reconhecer que sua figura foi a mais deplorável de quantas já passaram pelo Catete ou pelo Planalto. Arrogante, despreparado, estúpido mesmo, Jair Messias Bolsonaro receberá, sem tortura e com ampla defesa, a resposta a todos os males que causou ao país.(Felix Valois é Advogado, Professor, Escritor e Poeta – [email protected]) – 06.09.25