IGREJAS E IMPOSTOS – Por Felix Valois

Advogado Félix Valois(AM)

O deputado federal David Soares, dos quadros do Democratas de São Paulo, apresentou emenda a projeto de lei, que é, no mínimo, curiosa. Ora – direis – mas não está ele apenas exercendo as funções do cargo para o qual foi eleito? Não tenho outra alternativa senão a de responder afirmativamente à indagação. Mas convido o meu raro leitor a prestar atenção nos detalhes que menciono a seguir.

É de todos sabido que os templos religiosos não pagam impostos no Brasil. Não me perguntem a razão desse privilégio porque não sei explicar. É assim e ponto. Posso apenas especular que é remanecência do tempo em que um rei só era considerado como tal, se tivesse recebido a unção e o apoio da igreja católica.

Acontece que essa isenção fiscal não alcança as outras espécies de tributos, como as taxas, por exemplo, nem as multas que porventura tenham sido aplicadas pelo descumprimento de alguma obrigação. Pois muito que bem. Recente levantamento demonstrou que a dívida acumulada pelo não pagamento dessas obrigações tributárias está chegando perto de um bilhão de reais.

Volto ao meu assunto com o deputado Soares. A emenda que ele apresentou ao Congresso quer pura e simplesmente que seja zerada a tal dívida. Eu poderia creditar esse comportamento à conta da piedosa religiosidade do parlamentar. Mas uma estranha coincidência não me permite fazê-lo. Sabem por quê? Porque o deputado é filho do “missionário” R. R. Soares, o qual, por sua vez, é o proprietário da Igreja Universal do Reino de Deus. E, mais coincidência ainda, essa tal igreja tem com a União um débito, oriundo do não pagamento dos tributos, que chega ao módico valor de trina e sete milhões e oitocentos mil reais.

Convenhamos em que é muita cara de pau. O pior de tudo é que o projeto já foi aprovado pelo Congresso e, quando for publicado este texto, não sei se já terá sido sancionado pelo presidente da República, eis que o prazo para essa decisão expirava em onze de setembro. Como Bolsonaro tem a chamada “bancada evangélica” como um dos pilares de sustentação de sua base no poder legislativo, é quase impossível que ele tenha aposto um veto ao projeto. Afinal de contas, ele não vem dando sinais de que tenha lucidez para tanto. Terá sido um fenômeno.

Se o projeto já tiver se transformado lei, estaremos diante da dura realidade: o Estado brasileiro abriu mão de um bilhão de reais, apenas para satisfazer a ganância dos que se escondem atrás da religião para a obtenção de benesses. Dá-se a entender que, de fato, as tetas da viúva são um manancial inesgotável e estarão sempre à disposição de quantos possam a elas ter acesso.

Enquanto isso, no campo cultural, o país vaga perdido, qual zumbi. A educação (não é culpa exclusiva do atual governo) ganharia um concurso de ineficiência com a maior facilidade, tal o desprezo com que tem sido tratada. A grande maioria da juventude brasileira consegue realizar a proeza de chegar ao fim do ensino médio sem ser capaz de enfrentar um ditado de palavras comuns. A língua portuguesa parece até que cometeu algum pecado mortal, tal é a pena que vem pagando com as agressões que lhe são feitas em todos os setores.

O sujeito diz com a maior desfaçatez: “Tu já “visse” o filme que está passando no cinema?” E a resposta vem no mesmo diapasão: “Não, porque até hoje de manhã minha mesada não tinha “chego” na minha conta. E esse é um exemplo banal, condizente com a trivialidade do dia-a-dia. Porém, mesmo onde não seria possível imaginar, a violência contra o idioma está presente. Por exemplo: um deputado pergunta para outro “Vossa Excelência já recebeu “vossa” parte da distribuição feita para a base de sustentação”. Ouve como resposta: “Ainda não, nobre colega. Pensei era “gratuíta” a adesão”.

Por essas e outras é que, vez por outra, manifesta-se em mim a vontade de criar uma igreja para mim mesmo. Lá eu seria a própria divindade (era bem capaz de eu querer ser apenas bispo) e gozaria de todas as mordomias que o não pagamento de tributos de qualquer ordem e o recebimento do dízimo pudessem proporcionar. Já tenho até em mente o nome da minha igreja: “Revoltados do Senhor”.(Félix Valois é Advogado, Professor, Poeta – felix.valois@gmail.com)