JOÃO LIBERAL – Por Nicolau Libório

Procurador Nicolau Libório(AM)

Quem foi aluno da antiga Escola Técnica Federal entre 1948 até a metade dos anos 1960, com certeza deve lembrar do Professor João Liberal. Deve recordar também da sua grande paixão pelo futebol. Foi com o mestre Liberal, homem responsável pela formação de excelentes gráficos, que o cantor e compositor Chico da Silva fez os seus primeiros ensaios como ponta direita, no campo da escola. Mas se poucos lembram da rápida experiência do artista pelo mundo da bola, muitos são os que sentem saudades do treinador enérgico que ajudou a formar várias gerações de jogadores para o futebol do Amazonas.

Tinha consciência do que dizia e, como poucos, conseguia, pelas características dos atletas, dar a cada um a função mais adequada dentro de campo. Em 1962, por exemplo, ao observar o volante Antonio Piola jogar, não hesitou em afirmar que ele seria um excelente lateral direito. Na época, ainda muito jovem, Antonio não gostou. Mas o tempo encarregou-se de dar razão a Liberal.

Antes de se tornar uma referência como orientador técnico, João Liberal teve seus momentos de craque, atuando de meia esquerda pelo time do colégio Dom Bosco, onde ajudou sua equipe a ganhar três títulos. Ousado, arriscou ser titular no time do Nacional, mas não teve êxito, tendo que se contentar em jogar no terceiro time ao lado de Nozor e Vidinho, pois a equipe principal era uma verdadeira máquina. Mas um certo dia, em 1932, quando assistia ao treino do Fast, que era dirigido por um fiscal de Rendas de nome Quintanila, foi abordado pelo presidente do clube, Edson Stanilau Afonso, que lhe pediu opinião a respeito do que via. A resposta de Liberal foi bem objetiva: “o time tem bons valores, mas joga sem mobilidade. Joga duro e feio, é um verdadeiro rolo compressor”. Foi empossado como técnico na mesma hora, fazendo dupla com o tal Quintanila, que aos poucos foi perdendo espaço.

O Fast conseguiu conquistar o primeiro turno do Campeonato de 1938. O Campeonato Amazonense sofreu uma breve paralisação para que os jogadores pudessem servir à seleção no Campeonato Brasileiro. Liberal foi designado técnico e, para a surpresa de muita gente, apenas três jogadores fastianos foram convocados. O Amazonas venceu o Piauí por 5 a 1 mas foi derrotado pelo Pará por 6 a 2. Pior: no retorno a Manaus, o jovem treinador tomou conhecimento que a diretoria do Fast havia aprovado a sua expulsão, atendendo proposta do presidente Oscar Rayol.

Fora do Fast foi imediatamente chamado pelo Rio Negro e, por ironia, a decisão foi exatamente com o seu clube preferido, de quem venceu, na melhor de três pontos, os dois jogos. Depois ganhou os títulos de 1941 e 1942 pelo Nacional, retornando sem mágoa ao seu clube do coração em 1948, onde foi campeão, façanha repetida em 1949, 1955 e 1960.

Em 1945, Liberal aceitou o desafio de dirigir um time formado por meninos “levados da breca”. Essa equipe era o Tijuca, onde Flaviano Limongi e Mário Orofino eram as grandes estrelas. Para segurar a onda, o treinador que não tinha nada de bobo, convidou o professor Guilherme Nery, adepto das artes marciais para trabalhar a preparação física dos garotos. Resultado: Tijuca vice-campeão.

O Fast é um clube que nasceu de uma desavença. Insatisfeito com a derrota do seu candidato à presidência do Nacional Futebol Clube, o médico Vivaldo Lima resolveu fundar em 1930 um clube, o Fast, levando quase todo o time principal do Naça. De nada adiantou, pois mesmo assim o Nacional ganhou o título. João Liberal testemunhou as dificuldades do seu clube desde a origem e, como bom fastiano, o velho professor da Escola Técnica Federal compartilhou difíceis momentos. Na época em que o Fast se tornou um clube sem teto, alugou uma casa na rua J. Carlos Antony, no bairro Cachoeirinha, que passou a funcionar como sede. As despesas do clube eram bancadas pelo jogo: bacará, quino e outras espécies. As festas eram do “arromba”, no estilo pagou, entrou e a novidade era o drinque denominado “Gesebel”, muito requisitado pelos freqüentadores, preparado por Mariozinho, responsável pelo bar, que não podia deixar faltar “combustível” para os atletas do copo. Cansado de carregar o clube nas costas, Liberal que era uma espécie de Amadeu Teixeira da época, conseguiu convencer o Dr. Braule Pinto à assumir a presidência que, como primeira providência, transferiu a sede para a rua 24 de maio.

Liberal gostava de assumir integralmente a sua função de treinador. Chamado a dirigir a seleção amazonense em 1965, percebeu que o goleiro Simões, apesar das vitórias contra os territórios de Roraima e Rondônia, não vinha bem. Andava largando bolas fáceis e o seu comportamento começava a influenciar de forma negativa o resto do time. Anunciou a escalação do goleiro Dílson, que por sinal era bem baixo, não tinha mais que um metro e setenta, mas era bastante arrojado. Foi pressionado pelo conselho técnico da Federação Amazonense de Desportos Atléticos- FADA a manter como titular o grandalhão Simões, goleiro do Labor Esporte Clube. Não aceitou a intromissão, preferindo entregar o cargo.

Em 1959, João Liberal aceitou dirigir o Fast mediante condição de não levar o time a campo. Por isso, por ocasião dos jogos a orientação era dada pelo ex-craque Lafayete Vieira, hoje desembargador aposentado. Em 1960, se Lafayete ajudava na orientação em campo, Hosannah Florêncio, outro conceituado nome da Magistratura amazonense contribuía decisivamente no gramado para o Fast ser campeão.

Joào Liberal detestava gente dissimulada. Certa ocasião um candidato a craque, querendo impressionar o experiente treinador, foi logo dizendo: “Professor Liberal, eu não bebo, não fumo e nem jogo”. Sem pestanejar, Liberal respondeu: “então não serve para o meu time. Que você não fume e nem beba, tudo bem. Mas se você não joga, pode ir embora. Eu preciso é de quem jogue e muito”. Liberal entendia que no mundo do futebol não há espaço para santo.(Nicolau Libório é Procurador de Justiça, Jornalista e Radialista – [email protected])