
Antes de concluir o curso de Direito, na velha “Jaqueira” da Praça dos Remédios, na década de 1970, vivi interessantes experiências como cronista esportivo. Conheci e entrevistei grandes figuras do esporte nacional. Exemplos: Pelé, Tostão, Jairzinho, Gerson, Dario, Clodoaldo, Rivelino, Nilton Santos, Leônidas da Silva, Telê Santana, Zagallo, Éder Jofre (campeão mundial de boxe), Zico, Fio Maravilha, citando alguns. Dentre tantos nomes, faço questão de relembrar de João Saldanha.
Dois anos antes da Copa de 1970, João Alves Joaquim Saldanha, gaúcho de Alegrete, anunciou a sua seleção preferida: Félix, Carlos alberto, Brito, Joel e Rildo; G.erson Rivelino e Tostão: Jairzinho, Pelé e Edu. O time que conquistou o tricampeonato era basicamente esse, saindo Joel, Rildo e Edu para as entradas de Piazza, Everaldo e Clodoaldo.
João Saldanha chegou ao comando da seleção brasileira em dezembro de 1968, atendendo convite do diretor de futebol da Confederação Brasileira de Desportos Antonio do Passo e ao afastar-se em 18 de março de 1970, a três meses do início da Copa, já havia deixado o time arrumado, pronto para a consagração no México sob o comando de Zagallo.
João Saldanha, que era poliglota, jornalista, escritor, comentarista de rádio e televisão, comunista assumido, também era curto e grosso. Lembro-me que em 1969, como rádio-repórter, perguntei: “qual seria o esquema tático a ser utilizado pelo seu time na Copa? e a resposta foi direta e bastante objetiva. Disse ele: “vou colocar um goleiro para não levar “frango”, uma defesa para dar porrada, um meio campo inteligente e o resto você pergunta do Tostão, do Pelé e do Rivelino como é que eles vão fazer os gols”.
Em visita a Manaus, sentado nas improvisadas “cadeiras especiais” do estádio da Colina ao lado de autoridades e de pessoas influentes do nosso esporte, Saldanha deixou um certo repórter meio sem graça. Ao ser perguntado sobre o que achava sobre a grama do estádio, respondeu secamente: “não vou prová-la, eu já almocei”.
A sua experiência como treinador durou apenas três anos, dois no Botafogo, onde ganhou um título no final dos anos 50 e um na seleção quando montou um dos melhores times de toda história do futebol brasileiro com cinco jogadores fora de série: Tostão, Gerson, Rivelino, Jairzinho e Pelé; dois ótimos: Carlos Alberto e Clodoaldo, enquanto Félix,
Brito, Piazza e Everaldo atingiam o bom nível de qualidade exigido para integrar uma equipe com a responsabilidade de representar o país.
Polêmico sim, competente também, classificou o time para a Copa do México. Mas a sua saída da seleção foi inevitável quando ele resolveu bater de frente com o Presidente da República Emílio Garrastazu Médici, em pleno regime militar. Após um amistoso em que a seleção perdeu para o Atlético Mineiro por dois a um, dois gols de Dario, Médici teria sugerido a convocação do artilheiro. Saldanha com sua habitual franqueza, tascou: “o presidente escala o seu Ministério, quem escala a seleção sou eu”. O certo é que Dario foi convocado, porque Saldanha foi dispensado e o novo comandante passou a ser Mário Jorge Lobo Zagallo, o único tetracampeão do mundo.
Um técnico que detestava explicar o óbvio, Saldanha, com um temperamento de quem não admitia levar desaforo para casa, exorcizava a retranca e/ou a invencionice e sentia grande prazer de ver seu time esmagando os adversários. Para ele a melhor defesa era o ataque, inibindo, dessa forma, a ousadia adversária.(Nicolau Libório é Procurador de Justiça aposentado, Ex-Delegado de Polícia, Jornalista e Radialista)-17.10.25)