Estudar dá trabalho, é uma tarefa cansativa, o melhor, para alguns, é encurtar o caminho e, pela habilidade dos pés, encontrar a fama e a fortuna no mundo encantado do futebol. Pena que o bico do funil seja tão estreito e que poucos, mesmo com talento, tenham a possibilidade de alcançar o espaço almejado. Bom seria se o futebol fosse feito apenas de dribles, passes precisos, deliciosas jogadas, muitos gols, grandes comemorações e gordas contas bancárias. Mas esse mundo, que é fascinante, é também ilusório e cheio de incríveis surpresas. Quem se deixar levar apenas pelas emoções estará sempre diante do risco e do desapontamento.
Jogador de futebol é uma profissão digna, tão nobre como toda forma de ganhar dinheiro honestamente. Mas nesse apaixonante mundo da bola, onde os personagens ainda vivem espezinhados pelos preconceitos, onde o talento nem sempre consegue prevalecer diante da esperteza, é necessário pisar firme no chão, ficar atento à deslealdade e, principalmente, possuir um bom drible para conseguir ultrapassar os obstáculos. O deslumbramento inicial pode, quase sempre, representar uma grande desilusão. Uma atividade de curta duração, que tem representado para alguns a própria realização profissional, mas que tem deixado tristes lembranças para muitos. É a vida.
O futebol não é feito apenas de grandes ídolos. Esses ficam em posição de destaque, no ponto mais alto da pirâmide. A grande massa, os operários, os carregadores de piano, constituem a base. Nem todos tiveram ou terão a mesma sorte (?) ou oportunidade. Ou talvez, quem sabe (?), não souberam ou não saberão aproveitar o momento certo. É preciso ter muita raça, juízo, coragem e uma certa paciência para superar as dificuldades e as armadilhas. Se Pelé, Zico, Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Falcão, Romário, Neymar, e alguns outros poucos conseguiram rótulos de ídolos, milhares de anônimos só terão, nas canelas, as marcas das dolorosas experiências que não valeram a pena.
Manoel Francisco dos Santos, a “grande alegria do povo”, “o demônio das pernas tortas”, o Garrincha que encantou o mundo com os seus dribles maravilhosos, viveu a mesma época de Pelé. Teve, ainda bem jovem, condições para garantir a sua independência financeira à custa do seu extraordinário futebol. Ganhou dinheiro, teve a oportunidade de organizar a vida pelo positivo momento que viveu, mas foi atrapalhado pela sua singela visão de futuro. Apesar de ser um hábil autor de belas jogadas, de ultrapassar com extrema facilidade as dificuldades impostas pelos adversários não conseguiu nunca se livrar da ingenuidade que o acompanhou por toda a vida. Os anos passaram, o vigor físico diminuiu, os dribles escassearam, os aplausos diminuíram, o assédio da imprensa desapareceu, Garrincha passou. Do grande astro das pernas tortas restava apenas a figura de um homem angustiado, que ao se ver tragado pelo ostracismo,
buscava encontrar consolo na bebida. Do grande Mané Garrincha restava apenas a lembrança de um jogador fenomenal, que com sua genialidade com a bola nos pés, com seus dribles chaplinianos, contribuiu para que o Brasil ganhasse duas Copas do Mundo,em 1958 e 1962.
Garrincha é um exemplo de quem experimentou o sucesso, saboreou invejáveis momentos de alegrias, conviveu com a glória, mas que não conseguiu ter a exata noção da sua importância. A sua percepção só foi despertada quando a indiferença e a desilusão passaram a fazer parte do seu cotidiano. Se o grande astro teve a sua chance de conhecer a fama, muitos são os sonhadores que não conseguiram e não conseguirão se afastar da linha proletária.
Por que Pelé conseguiu tanto e Garrincha tão pouco? Sorte de Pelé ? Nem tanto. A resposta pode estar na formação ou no grau de reesponsabilidade de cada um. Uma família bem estruturada é a base, uma grande ajuda para quem objetiva o sucesso. Pelé foi fruto de uma família organizada. Garrincha é apenas um exemplo do oposto. Quantos candidatos a ídolos vivem mergulhados no desencanto e no sofrimento ?.
A fama é passageira e falsa. E por ser volúvel é terrivelmente perigosa. Deixa no seu rastro, às vezes, surpresas desagradáveis, tristeza e solidão. Usar a cabeça é a grande jogada.
(Nicolau Libório é Procurador de Justiça, Jornalista e Radialista)