Termo de parceria entre comunidades indígenas e empresa desenvolvedora de projetos de créditos de carbono torna-se possível após a aplicação do legal design…
O juridiquês usado nos contratos, além de dificultar a leitura do documento, pode gerar problemas pela falta de compreensão do que foi acordado. Isso piora quando a língua nativa de uma das partes é diferente da usada no contrato.
Essa era a situação em que se encontrava uma comunidade indígena no Norte do Brasil, que era uma das partes em contrato de parceria e cooperação. A comunidade usa um dialeto próprio para se comunicar e não conseguia entender as cláusulas do contrato, o que lhe inviabilizava a assinatura.
A solução para quebrar essa barreira foi a aplicação de legal design (ou visual law) no contrato, que consiste em criar o documento com foco em quem será o leitor. Utilizando uma escrita simplificada e elementos visuais para ajudar na compreensão do conteúdo, essa técnica vem sendo cada vez mais adotada por empresas, governos e terceiro setor.
O contrato em questão foi firmado pelas associações que representam as comunidades envolvidas e uma empresa que desenvolve projetos e comercializa os créditos de carbono na região protegida, que fica na transição entre Amazônia e Cerrado. O teor do contrato ficou a cargo do escritório VRA Advogados (com sedes no Rio de Janeiro e em São Paulo), e a aplicação do legal design foi feita pela Bits, startup de legal design.
O projeto realizado recebeu até um prêmio: o Design for a Better World 2022, do Centro Brasil de Design. “Foi um projeto que se utilizou de recursos de design voltado à informação e da experiência do usuário [povos indígenas] para facilitar a compreensão e derrubar barreiras na comunicação. É o design indo ao encontro dos direitos humanos”, assinala o texto de divulgação da premiação.
De acordo com Erik Nybo, cofundador e sócio da Bits, o projeto integrou esforços da startup e dos demais atores envolvidos na busca pelo cumprimento de um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), das Nações Unidas — o ODS 16, que trata da “paz, justiça e instituições eficazes”. “O legal design contribui para a acessibilidade jurídica, portanto para o Direito ao alcance e a serviço de todos”, ressalta o executivo.
Ele explica que a concepção do contrato envolveu um processo de imersão na cultura e no território da comunidade indígena atendida. Ainda, uma pesquisa sobre o próprio idioma. Tudo isso permitiu averiguar formas de comunicação entre os integrantes e elaborar texto e design que adotassem recursos linguísticos e visuais de fácil assimilação.
“Ícones e fluxogramas iam sendo definidos, e analisamos como os integrantes da comunidade interpretavam o design proposto, até encontrarmos o modelo ideal”, afirma Nybo. Ele acrescenta que tiveram, ainda, cuidados com o texto para que as terminologias empregadas, além de compreensíveis, não caíssem em clichês, estereótipos ou no uso de palavras e expressões hoje inadequadas do ponto de vista ético e social.
A imersão na comunidade, por sinal, é destacada por uma representante do território, a indígena Narubia Werreria. “Foi o ideal. Tivemos um contrato que atende à diversidade dos povos originários. Aliás, [a adoção do legal design] respeita essa complexidade, de culturas indígenas, quilombolas, ribeirinhas, extrativistas”, observa. “Foi um documento que gerou empatia [da comunidade]”, atestou a organização do prêmio oferecido pelo Centro Brasil de Design.(Assessoria)