Durante 23 anos, dos 16 aos 39 anos, fascinado pelo prazer de ser árbitro de futebol, Manoel Luiz Bastos apitou mais de mil jogos, conservando sempre, em campo, um ar autoritário e uma maneira muito própria de gesticular ao advertir os jogadores. O seu trabalho foi reconhecido pela crônica esportiva amazonense, pelos seus colegas, pela CBD e pelo público. Todos já sabiam que os jogos mais importantes tinham que contar com um árbitro enérgico, destemido, que não tivesse medo de cara feia.
E, quanto a isso, o franzino Bastos preenchia perfeitamente os requisitos. Conseguia acompanhar de perto todos os lances, graças a um excelente preparo físico. Tecnicamente foi o melhor da sua época, pois tinha grande predileção por pesquisas sobre arbitragem. Parou quando ainda poderia oferecer um pouco mais ao futebol do Amazonas.
O filho do comissário de polícia Luiz de Souza Bastos e de dona Sílvia, nascido e criado na rua Dr. Aprígio, no bairro de Aparecida, teve que ganhar o mundo muito cedo para ajudar no orçamento familiar. Aos 13 anos foi admitido na função de auxiliar de escritório, na construção do aeroporto de Ponta Pelada {atualmente aeroporto militar}, mas nas horas de folga, quase sempre aos sábados e/ou domingos, era o dono da camisa 6 do Corinthians, que era dirigido por Edmundo , popularmente conhecido como Baricéia, funcionário dos Correios e Telegráfos. Depois de aprender as primeiras lições no modesto Corinthians, transferiu-se para o infantil do Rio Negro, atendendo convite do técnico Tutuca, onde teve uma rápida passagem.
Mesmo com chances de evoluir como lateral esquerdo, passou demonstrar uma certa tendência pela arbitragem. Sempre que possível, no campo da Serraria Hore, concordava em dirigir algumas “peladas”da garotada. Alternava atuações como “half esquerdo”, defedendo as cores do Independência, clube do bairro Aparecida, e como árbitro. A experiência das “peladas”permitiu-lhe um estilo que, para alguns, chegava a ser arrogante. Partia para cima do jogador que estivesse cometendo a indisciplina, colocava o dedo na cara e, se o indisciplinado decidisse complicar, era logo excluído do jogo. Diziam alguns que Bastos pretendia imitar Armando Marques, o melhor do Brasil na época, mas essa hipótese ele jamais admitiu.
Certo dia, José Pereira Serra, que desfrutava de uma excelente conceito no conselho técnico da FADA (uma espécie de comissão de arbitragem) decidiu apreciar o campeonato do Hore. Serra ficou espantado quando viu o árbitro magrinho, corajoso, partir para cima do catimbeiro e dar uma bronca merecida. No final do jogo, Serra não hesitou , aproximou-se de Bastos e formulou o convite. E o teste foi imediato na primeira divisão do campeonato amador entre Guarany e Rio Branco, sem maiores atropelos. Depois vieram os jogos esfria sol, nas preliminares dos jogos do campeonato principal.
O jogo Rio Negro e São Raimundo, importante para a definição do campeonato, teria no apito o experiente Dorval Medeiros. O espetáculo foi adiado em razão da chuva que desabou sobre
o gramado do Parque Amazonense. Só que Dorval Medeiros, o popular Guarda, já escalado para trabalhar num jogo pelo Campeonato Norte-Nordeste, em Belém,teria que ser substituído. Surgia a grande chance. Por determinação do presidente da FADA, Laércio Miranda, o conselho técnico resolveu realizar um sorteio com os nomes de José Pereira ,José Carlos Amato e Manoel Luiz Bastos. Deu Bastos e a estréia na divisão principal foi marcada por uma arbitragem sem restrições. O Rio Negro venceu por um a zero, com um gol de Ademir Maestro, cobrando uma falta de fora da área. A vítima do jogo foi o atacante Edson Marques, do Rio Negro, que ao tentar encarar o árbitro estreante foi expulso de campo.
Mas a grande zebra da sua carreira aconteceu exatamente num clássico Rio-Nal, importante para decisão do campeonato de 1975. Por acreditar no bandeirinha José Carlos Amato, expulsou de campo o zagueiro Pogito, do Rio Negro e o atacante Serginho, do Nacional. A exclusão de Serginho foi um equívoco imperdoável. Isso aconteceu num domingo,no dia 21 de abril. Aos 22 minutos, ainda no primeiro tempo, Bastos foi chamado por José Carlos Amato, que informou que Pogito e Serginho estavam brigando. Para ter certeza, indagou por três vezes, se o seu auxiliar tinha convicção do que estava dizendo. Diante da resposta afirmativa não titubeou. Excluiu os dois jogadores. Mas a verdade é que Serginho não tinha nada a ver com a confusão, chegou até a se ajoelhar jurando inocência, mas não teve jeito, foi tomar banho mais cedo. Os jogadores envolvidos no episódio eram Bibi e Pogito.
O erro custou muito caro ao consagrado Bastos, o melhor entre os melhores árbitros amazonenses da época. Foi afastado pelo engenheiro Paulo Braga, presidente da FAF, de qualquer escalação para apitar jogo oficiais. Diante da situação, constituiu como seu advogado o experiente Reinaldo Tribuzzi, que ingressou na justiça comum com um Mandado de Segurança. A FAF foi condenada a pagar 35 mil cruzeiros e Bastos foi reintegrado ao quadro da COAMAF,comissão de arbitragem.
Paulo Braga ainda relutou bastante para cumprir a decisão judicial mas, aconselhado por amigos, agiu com bom senso. Mas depois daquele melancólico 21 de abril de 1975, Manoel Luiz Bastos nunca mais voltou ao apito. Ficou na “geladeira”cumprindo uma suspensão branca. Para não ficar fora do futebol, chegou a integrar a comissão de arbitragem da FAF até o dia 28 de dezembro de 1982, com 46 anos de idade, quando saiu definitivamente de cena, magoado com a falta de consideração de algumas pessoas.(Nicolau Libório é Procurador Justiça, Jornalista e Radialista – [email protected]m)