Nossa vida é feita de recordações, lembranças, memórias. Só isso levamos daqui e,
com sorte, deixaremos em muitos quando nos formos. Das mais inocentes, como
quando somos crianças e lembramos das brincadeiras infantis, dos amigos de escola.
Daquelas que criamos e não temos bem certeza aonde começa a ficção e termina a
realidade. Das que nos fizeram chorar, das que nos fizeram sorrir, gargalhar. Das que
até hoje nos trazem saudades e nunca serão esquecidas. Nossa vida é feita de
momentos e são eles que nos fazem viver.
Sou um poço de memórias, boas e ruins, mas que me fazem quem eu sou. Lembro dos
amigos da escola no Rio de Janeiro, de nossas brincadeiras. Da enorme montanha que
tinha nos fundos do colégio, que escalávamos como se fosse o Monte Everest, e que
na verdade era apenas um pequeno morrinho. Tínhamos nela um trono feito de raízes
de arvore e lá íamos lanchar.
Dos brinquedos de criança que tinham no colégio, balanços, escorregadores, tinha um
trepa-trepa de ferro que atravessávamos pendurados pelos braços, ficávamos de
ponta-cabeça, e nunca, em nenhum momento pensávamos na possibilidade de cair e
nos machucar. Éramos crianças em uma época politicamente incorreta, mas feliz.
Memórias que vão além, que ainda nos permitem lembrar do gosto de certas comidas,
da torrada americana do colégio, das torradinhas com carne moída, bife com batatas
fritas e arroz com aletria, bruxinhas, aquele nescau que nos acordava após as noites de
festa, da comida que só tem na casa da mamãe.
E os natais? Como era bom acreditar no Papai Noel e esperar o tão sonhado presente.
Ainda lembro da bicicleta roxa que ganhei em determinado Natal. Nesse ano papai
entrou vestido de Papai Noel, com um saco vermelho cheio de brinquedos, quanta
felicidade. Fomos crianças e vivemos o sonho e a fantasia de ser criança.
E aquelas memórias que se confundem com a realidade? De tantos ouvirmos as
histórias, vermos as fotos, criamos um mundo de lembranças paralelas, que se
misturam e fundem com a verdade. São aquelas histórias que juramos lembrar, em
riquezas de detalhes, mas que, ao conversar com outras pessoas que estavam
presentes ao mesmo fato, começamos a ouvir versões um pouco diferentes, ficando a
dúvida: até que ponto são de fato lembranças ou criações de uma mente fértil?
Já morando em Manaus, lembro de um voo de volta das férias no Rio de Janeiro em
que vim entregue ao comandante e fiz um grande e querido amigo, que me
acompanha desde a minha adolescência até hoje.
As lembranças dos amigos são uma das mais queridas. As nossas festas, lá em casa, na
casa das Veigas, com ou sem motivo, terminávamos rindo, brincando e ouvindo
música, a maior alegria era quando algum dos meninos estava com o violão debaixo do
braço para tocar, e assim íamos madrugada adentro, em nossos luaus.
A música, com certeza é fonte inesgotável de memórias. É capaz de nos transportar a
um mundo passado e distante, que se torna, naquele momento, real e presente. Quem
nunca sorriu sozinho ouvindo aquela música? A letra parece ter sido composta para
você, para o seu momento, a sua vida, tão perfeita que chega a ser impossível não
derramar uma única e solitária lágrima.
Os cheiros também possuem esse privilégio, os perfumes marcam as fases da nossa
vida, nos acompanham desde a infância e nos seguem por toda nossa existência. São
capazes, inclusive, de mudar conforme nosso humor, nossa felicidade. Quantas vezes
já escolhemos uma fragrância conforme nosso momento? E quantos não sentem um
cheiro e lembram de alguém? Aquele perfume que vem no ar, te faz fechar os olhos e
ver aquela pessoa?
As lembranças tristes, de igual forma, fazem parte da nossa caminhada. Um último
beijo, um adeus, uma palavra que nunca foi dita, ou que não deveria ter sido dita, um
momento que passou. Do mesmo jeito deixam marcas, ensinam, nos fazem pensar e,
muitas vezes, nos fazem crescer e não mais repetir os atos que nos causaram tamanha
infelicidade.
Algumas recordações nos trazem saudades, outras, queremos esquecer. Saudades de
pessoas, momentos, abraços, proteção e até mesmo das broncas. Saudades como do
meu pai, minhas avós, minha madrinha, meu tio, e tantos outros que já se foram e que
levaram um pouquinho do meu coração, e deixaram um pouquinho do deles em seu
lugar. Elas me fazem ser quem sou hoje, com todas as emendas e retalhos a que tenho
direito, mas que me fazem feliz, pelo simples fato de ter comigo a lembrança eterna
dos que se foram, de terem passado e ficado, para sempre, em minha vida.(Luciana Figueiredo é Advogada)