Há coisas de difícil explicação e de entendimento quase impossível. E não estou falando de mistérios transcendentais, desses que se prestam a elucubrações filosóficas e, às vezes, põem em confronto ciência e crença. Não, não é isso. Quero me referir a comportamentos humanos que, por definição, devem ser guiados por um mínimo de raciocínio lógico e de ponderação baseada no bom senso.
Ora, pois muito que bem. Vejo, na internet, que a Prefeitura vai derrubar cento e trinta e duas árvores, no Parque dos Bilhares! Pronto. É possível vislumbrar, ainda que de passagem, alguma racionalidade nisso? Diga-me você, meu escasso leitor, porque eu mesmo fiquei apenas boquiaberto com a notícia da insensatez. E ainda há um toque de ironia debochada: é que as árvores vão ser sacrificadas para que, em seu lugar, seja construído o prédio da Secretaria de… Meio Ambiente!
Só pode ser gozação com o povo da cidade. Vivemos literalmente no centro da maior floresta do mundo e temos um espaço urbano com uma arborização no mínimo precária. Nunca se cuidou da criação de bosques que pudessem funcionar como ilhas de combate, ou pelo menos amenização, do calor tropical. E ainda é o próprio poder público que vem se dispor a matar centro e trinta e dois espécimes vegetais? Definitivamente, não dá para acreditar e eu ainda espero que o titular do executivo municipal caia na normalidade e jogue no lixo esse delírio de estupidez.
Caso não ocorre essa recaída no bom senso, há que serem tomadas urgentes providências para evitar a consumação do crime que, segundo me consta, ainda está na sua fase preparatória. Urge conter a fúria destruidora. Chamo à colação a Defensoria Pública e o Ministério Público Estado do Amazonas. Ambas as instituições têm legitimidade e competência para agir em nome dos cidadãos normais, que repudiam a brincadeira de mau gosto. Há que ajuizar imediatamente a ação cabível para, obtendo prestação cautelar, matar no nascedouro a desarrazoada pretensão.
Onde é que já se viu tamanho despautério? Até parece que falta espaço para erguer um simples edifício. Isso sem falar na enorme quantidade de imóveis abandonados que, enfeando a cidade, ficam jogados ao léu e abrigando às vezes até atividades tangenciadoras da lei. Custaria pouco à Prefeitura ocupar esses escombros, restaurá-los e lhes dar útil destinação. Mas, não. Quer-se construir onde há árvores e estas que se danem. Sejam destruídas.
É uma bofetada na cara de todos os manauaras. Não podemos e não devemos mansamente aceitar tamanho agravo, mais ofensivo quando se sabe que é inteiramente desnecessário. Vale dizer: estamos diante de uma agressão gratuita ao
patrimônio da cidade e isso exige uma reação à altura, capaz de configurar uma forma cristalina de legítima defesa.
Trata-se de algo tão descabido quanto a ideia infeliz de permitir a privatização de praias no Brasil. Se o poeta baiano pudesse parafrasear seus próprios versos, haveria de dizer que “a praia é do povo, como o céu é do condor”.
Chega. Vou aguardar que se manifestem a Defensoria e o Ministério Público. Na hipótese de não obter uma resposta à altura, vou eu mesmo, como advogado, buscar com os colegas do ramo um caminho para deter a fera. Com certeza, encontraremos. Manaus merece esse esforço. Está na hora de proclamar: Manaus, quem ama, respeita!(Felix Valois é advogado, Professor, Escritor e Poeta – [email protected])