Notre-Dame – Por Luciana Figueiredo

Advogada Luciana Figueiredo(AM)

A Semana Santa teve início no domingo passado, com o Domingo de Ramos e irá terminar amanhã no Domingo de Páscoa. Por coincidência ou não, esse ano, já no seu segundo dia, fomos surpreendidos com a notícia de um incêndio, de causas aparentemente acidentais, na Catedral de Notre-Dame.

Em um momento que é dos mais importantes para o cristianismo, já que se celebra a morte e ressureição de Jesus Cristo, a destruição da Catedral de Notre-Dame tem um significado ainda maior. Nela estavam guardados por séculos tesouros materiais e imateriais. Talvez os mais importantes e de maior apreço, principalmente se levarmos em consideração que estamos vivendo o período da Paixão de Cristo, são: a Santa Coroa, um pedaço da cruz e um prego que foram usados na crucificação. Mas também estavam guardados na Igreja a túnica de São Luís, os restos mortais de dois santos padroeiros de Paris, joias de valor incalculável da Igreja Católica, dentre tantos outros.

Por sorte, e, graças a um elaborado plano de contingência, grande parte das raridades que lá se encontravam foram salvas, como a coroa, o cravo e um pedaço da cruz de Cristo. Mas o grande milagre foi visto dentro da igreja. Mesmo após tantas horas ardendo em chamas, o interior da catedral não refletia o tamanho do estrago que se previa e imaginava. O altar mor, com sua cruz e a Pietá estavam preservados, bem como os órgãos, bancos e alguns vitrais.

Confesso que as imagens me marcaram em demasia. Primeiro da catedral em chamas, depois da flecha desabando ao chão. No entanto a mais impressionante recebi de uma amiga em um grupo de “Whatsapp”. Era um grupo de pessoas, algumas ajoelhadas, com o terço na mão, todos em coro cantando “Je vous salut Marie”, a “Ave Maria”, com a catedral em chamas ao fundo. Nessas horas nós vemos claramente a força de Deus e o poder da fé, só assim se pode explicar tanto fogo e destruição e, o altar principal ter permanecido intacto, com a cruz e a estatua de Maria com Jesus morto em seu colo, intocáveis pelo fogo e destruição.

Entretanto, lendo sobre essa terrível tragédia, fiquei atônita ao descobrir que, há um mês outra igreja foi tomada pelo fogo em Paris. A Igreja de Saint Sulpice, também de grande valor histórico, foi vítima de um incêndio criminoso. Na verdade, em 2018 foram constatados aproximadamente 1063 atos anticristãos, são 2 igrejas atacadas por dia. Só na semana do fogo em Saint Sulpice, 12 igrejas foram atacadas e profanadas, Notre-Dame des Enfants, teve seu altar e sacrários saqueados, as hóstias consagradas foram jogadas no lixo, o mesmo ocorrendo em Notre-Dame de Dijon, aonde as hóstias foram pisoteadas. Curioso que, com tantos ataques e violações, se considere o incêndio da Notre-Dame, na semana da Paixão de Cristo como acidental!

Evidente que, acidental ou não, o mundo de forma geral e a França em particular, vem sendo palco de uma crescente onda de intolerância religiosa. É a absoluta falta de habilidade em reconhecer e respeitar as diferenças de credos e religiões, verificada através do total desrespeito a crença alheia, seja ela manejada através de brutais ataques, como vem acontecendo aos templos e locais sagrados, agressões físicas e verbais, ou mesmo piadas de aparência inocente, mas que escondem em seu interior o total desrespeito a liberdade religiosa, direito esse fundamental, assegurado na maioria das leis magnas existentes.

Voltando ao incêndio da Catedral de Notre-Dame, o fogo consumiu não só parte de um dos maiores templos religiosos mundiais, a catedral é muito mais. É patrimônio mundial da humanidade, é berço da nossa história. Uma joia da humanidade que presenciou e sobreviveu a inúmeras guerras, assistiu imponente a coroações de reis, foipalco da coroação de Napoleão Bonaparte como Imperador. Serviu de inspiração ao escritor Victor Hugo em sua obra “Notre-Dame de Paris”, que conta a história de amor de um deformado sineiro que vivia recluso na catedral pela cigana Esmeralda. Foi com o soar de seus sinos que houve o anuncio da libertação da França da ocupação nazista.

Independente de nossa religião, crenças e credos, a destruição da Catedral de Notre-Dame afeta não só aos cristãos e católicos como a toda a humanidade, “um povo sem memória é um povo sem história. E um povo sem história está fadado a cometer, no presente e no futuro, os mesmos erros do passado”.(Luciana Figueiredo é Advogada)