O Bom Português – Por Nicolau Libório

Procurador Nicolau Libório(AM)

Nas paredes do seu restaurante, localizado na rua Borba, entre as ruas Manicoré e Itacoatiara, no bairro de Cachoeirinha, onde já funcionou a Sapataria Botafogo, estavam as marcas de um passado glorioso. Com destaque uma foto do time do Nacional, campeão de 1957, que venceu o Fast na final por 3 a 2, com Ribamar, Boanerges e Sampaio; Martins, Toscano e Agostinho; Assis, Dadá, Português, Zizico e Said. Com a experiência de quem tem muitas histórias para contar, Português tem motivo para sentir orgulho de haver contribuído para aumentar a coleção de títulos do Nacional Futebol Clube.

O campeonato de 1957 foi marcado por fortes emoções. Na decisão contra o Fast, no Parque Amazonense, o Nacional vencia o jogo por 3 a 2. Nas arquibancadas, a torcida do Naça comemorava mais um título, gritando: “é campeão, é campeão !”. Mas o juiz da partida resolveu dar maior dramaticidade ao espetáculo, marcando um pênalti aos 45 minutos do segundo tempo a favor do Fast, que jogava pelo empate. Foi um deus-nos-acuda. Boca Cheia foi encarregado de bater a penalidade. Bola na marca da cal, o atacante tricolor tomou uma certa distância, mas ao correr para executar o tiro contra o gol de Ribamar foi atingido nos olhos por uma porção de areia arremessada pelo volante Toscano. A bola foi chutada para fora e o tempo fechou. Brigou todo mundo, inclusive os torcedores, mas o Nacional levou a taça para a rua Saldanha Marinho.

O futebol de Carlos Alberto Souza Abreu nunca entusiasmou o comerciante português Gualberto Abreu, que tinha muitos planos para o filho. Por isso, o centroavante de toque refinado vivia um dilema. O que fazer: abandonar o futebol, sua grande paixão, ou continuar marcando belos gols. E foi numa chuvosa manhã de um distante sábado, de poucos clientes na Sapataria Botafogo, localizada na rua Henrique Martins, que Português passou a refletir sobre as constantes cobranças do pai. Sabia que se os conselhos de sêo Abreu eram importantes, jamais poderia admitir a hipótese de faltar à decisão do campeonato. Tomou a atitude mais inteligente. Foi ao Parque Amazonense, marcou um gol, ajudou o seu querido Nacional a ganhar o último título amador e depois abandonou os gramados.

O último campeonato amador foi disputado no encharcado gramado do velho Parque Amazonense, no dia 22 de fevereiro de 1964, com José Pereira Serra no apito. O goleiro Marialvo e o zagueiro João Tavares eram as grandes estrelas do América. Mas segurar o time do Naça não era tarefa fácil. No final, o Nacional comprovou a sua competência, vencendo por três a zero, com gols de Hugo, Português e Pepeta. Zé Maria, Boanerges e Jonas; Sula, Jaime Basílio e Vanderlan; Hugo, Fredoca, Português, Dermilson e Pepeta saíram de campo com as faixas de campeão de 1963.

Português queria sair de cena como um atleta vitorioso. Quando chegou ao Parque Amazonense para jogar a partida do adeus, um par de chuteiras debaixo do braço, tomou conhecimento que ficaria na reserva. Sabá Burro Preto seria o titular. Mas Sabá não estava nada disposto a entrar naquela fogueira e, por isso, resolveu propor um acordo. Alegando indisposição, pretendia entrar apenas no segundo tempo. Mas com a atuação exuberante de Português, que estava ganhando o duelo com excelente zagueiro João Tavares, Sabá teve que assistir todo o jogo ao lado dos demais reservas.

Português é um apelido que Carlos ganhou na infância em razão da nacionalidade do pai. Nasceu em Itacoatiara, mas aos oito meses veio para Manaus. Da sua casa até a Praça Dom Bosco era um pulo. No campinho da Praça, em companhia de Lacinha, Sidney Queiroz, Dalúzio, Hamilton Loureiro e outros, ganhou intimidade com a bola, nas intermináveis “peladas”. Levado pelo amigo Lacinha, chegou à sede do Nacional, na rua Saldanha Marinho, onde foi apresentado a Alfredo Barbosa Filho, em 1952. Foi lançado no infanto-juvenil como centroavante, onde passou a conviver com as vitórias, sagrando-se campeão em 1952,1953 e 1954. Em 1955 foi para o time juvenil, quando passou a jogar com Mário China, Marcus, Caneco e Patolé. Todos foram promovidos ao time principal em 1956.

Boanerges e Dadá andaram se desentendendo com o técnico Barbosa Filho e, por solidariedade, Português resolveu transferir-se para o Fast. Lá, em 1960, foi o artilheiro com 20 gols, superando Santarém (São Raimundo) com 10 gols e Osmar (Auto Esporte) com 9. Sob o comando do professor João Liberal, saboreou um novo título ao lado de Negão, Purgante, Jonas, Orleans, Rosas, Jofre, Vitorino, Dadá, Marcelo, Paulo Lira, Edmilson, Padeirinho, Rosalvo Picanço, Nego, Almir, Hosanna Florêncio (Desembargador) e Cesário. No ano seguinte, com o peito cheio de saudades, não hesitou pedir para voltar ao Nacional, uma das suas paixões. As outras são a sua bem estruturada família e o Botafogo.

Os zagueiros da época tinham suas reclamações. Segundo alguns, nas cobranças dos escanteios, Português sempre procurava encostar em alguém. No momento em que a bola ia chegando na área, ele segurava o calção do adversário para dar a impulsão e ganhar na cabeçada. Se usava ou não de tal artifício ninguém assumiu a fofoca, a verdade é que na área ele era muito respeitado. Driblava fácil, cabeceava com elogiável precisão, chutava forte e não afinava diante das botinadas dos zagueiros. Quando jogava contra o Auto Esporte ou Princesa Izabel, saía faísca. O Auto Esporte tinha o zagueiro Guarda (Dorval Medeiros), que batia barbaridade. O Princesa tinha Valquírio, que também não alisava as pernas dos atacantes. Mas Português não fugia do duelo. Quando tinha chance sabia dar o troco direitinho. E foi com um futebol elegante e ousado que conseguiu fazer muitos gols. Tantos que perdeu a conta. Casado com dona Iracy, pai de quatro filhas, sêo Carlos, ou melhor, Português, sente prazer ao falar do passado. De uma época em que fez grandes amigos e que jogava por puro divertimento.(Nicolau Libório é Procurador de Justiça, Jornalista e Radialista – [email protected])