Informa o jornalista Mário Adolfo que foi apresentado na Assembleia Legislativa um projeto de lei para reconhecer a saudação “a paz do senhor Jesus” como patrimônio cultural do Amazonas. Que coisa genial! Fiquei a me recriminar intimamente: como é que eu, tamanho velho de oitenta anos, nunca pensei numa coisa tão óbvia e tão relevante. Nunca é tarde, porém, para corrigir uma omissão histórica e os nossos deputados terão, agora, a oportunidade de suprir essa lacuna, transformando em lei uma ideia forjada no cadinho da mais legítima amazonidade.
É bem recente outra conquista monumental de nossos parlamentares. De fato, há pouquíssimo tempo foi concedido o título de cidadã amazonense à senhora Michele Bolsonaro e, desde então, houve indiscutível melhora na qualidade de vida de todos os habitantes deste grandioso estado. Eis senão quando, parece que numa disputa entre ideias monumentais, vem à baila a perpetuação, por via de lei, de uma expressão de uso tão comum entre nós amazonenses, que não se pode estabelecer precisamente a data do começo de seu uso e emprego. Diz-se, por exemplo, que alguns cronistas registram como fato histórico o episódio ocorrido quando da morte de Ajuricaba. O bravo guerreiro, submetido ao jugo do conquistador europeu, não suportou a escravidão e preferiu a morte. Da canoa em que vinha sendo transportado, preso e acorrentado, lançou-se nas escuras águas do Rio Negro e, nesse momento de sacrifício supremo, bradou, em alto e bom tom, para os seus algozes: “a paz do senhor Jesus”.
Se isso é rigorosamente verdadeiro, confesso que não posso dar conta ao meu raro leitor. Mas tudo está a indicar pela veracidade. Não fora assim e como se justificaria que, séculos depois, a expressão voltasse a ser lembrada em ambiente tão conspícuo quanto o da Assembleia? Afinal de contas, é ali que se delineiam os grandes projetos para a sustentação e desenvolvimento do Amazonas, de tal maneira que a consagração da tal expressão era medida de urgência e premência.
Tenho para mim, porém, aqui na minha apoucada inteligência, que o projeto de lei peca pela timidez. Por que só reconhecer como patrimônio cultural? Por que não avançar mais, com maior furor amazônico, e tornar a saudação de uso obrigatório. Assim, a título de exemplo, os deputados, quando se encontrassem para suas cívicas e proveitosas reuniões, diriam um para o outro: a paz do senhor Jesus. Que coisa bonita que seria!
O aluno, antes de formular uma pergunta idiota ao professor, amenizaria sua ignorância pronunciando a sagrada saudação e, com isso, já estaria com meio
caminho andado porque o mestre, para responder à indagação, também teria que começar sua preleção fazendo uso da divina fórmula.
O que me impressiona mesmo é como tem gente usando o nome de Jesus, a torto e a direito, para o que presta e para o que não presta, assim como se o Nazareno estivesse à disposição de todo e qualquer desocupado. Responsável por uma doutrina que tem bilhões de adeptos pelo mundo inteiro, o Cristo deveria merecer o mínimo de respeito principalmente por parte daqueles que se dizem seus fieis seguidores.
Eu, que não creio, trato essa figura histórica com a consideração que se deve dedicar a todos aqueles que tiveram influência no destino da Humanidade. Se não desmaio à invocação do seu nome, nem dou outros sinais de histeria religiosa, também não me permito avançar no campo da pândega e usar seu nome para ridículas manifestações que não chegam nem a ser fanatismo, por isso que não passam mesmo da mais ridícula indigência cultural.(Felix Valois é Advogado, Professor, Escritor e Poeta – [email protected])