Perdido no meandro dos seus devaneios, ordenhando as vacas ao alvorecer do dia, levando uma ou outra bronca do velho Pedro, Orleans, nascido no ambiente puro da fazenda Bela Vista, tinha uma vida bastante tranqüila. Ele era muito feliz e nem desconfiava disso. Futebol? Pois sim, nem para descontrair. Pela vontade do pai, fazendeiro de grandes recursos, no município de Autazes, ele deveria correr muito pelos campos, mas administrando as atividades da fazenda. Porém, para a tristeza da família Nobre, o velho Pedro, inesperadamente, transportou-se para a eternidade. Os filhos mais velhos, Otacílio e Osmarina, tiveram que assumir toda a responsabilidade.
Aos 14 anos, com a morte do pai, veio para Manaus em companhia da irmã Osmarina, a fim de começar seus estudos. Fez o curso primário no grupo escolar Ribeiro da Cunha e no Saldanha Marinho, onde aprendeu a admirar suas professoras Arlete e Mirtes Trigueiro. Mas antes de ser submetido ao exame de admissão para a Escola técnica Federal, andou levando umas boas lambadas da irmã Osmarina, pelo fato de não querer levar a sério os estudos.
-“Eu realmente não queria nada com a história do Brasil. Gazetava aula para ir bater pelada ali na Praça da polícia ou então na Floriano Peixoto, num campo que ficava próximo a antiga delegacia de trânsito. Ainda tinha uma coisa, quando Xenofonte Antony era o delegado, ele nem se importava com a molecada. Mas depois que irmão dele, o Clearco, assumiu, botou a turma para correr. Eu morava lá na Marcílio Dias, na Vila Fátima e, volta e meia, eu estava lá. Quando eu chegava em casa, entrava no pau, porque a minha irmã não era sopa”.
As peladas terminaram despertando o talento futebolista. Primeiro vestiu a camisa do Royal, onde Fernando Loureiro, que foi diretor do Santos, Rio Negro, Olympico, Fast e São Raimundo, era um dos dirigentes. Mas uma briga entre os membros da diretoria deu ensejo para que Loureiro fundasse o Floriano, onde também resolveu ser jogador. Não tinha um bom futebol, mas por ser o dono da bola e do uniforme, tinha sempre assegurada a sua vaga na zaga.
No campeonato para juvenis, disputado em 1951, Orleans foi recrutado por Jorge Bonates para defender o Princesa Isabel. Com ele foram também Mário e Alberto, que mais tarde também chegaram a se destacar.
Do Princesa Isabel transferiu-se para o Olympico, levado por Fernando Loureiro, que na época trabalhava com o despachante Arnóbio Valente, homem forte do clube.. Eu, felizmente, mereci ser titular absoluto.
Em 1955, o Vasco veio excursionar em Manaus. E para enfrentá-lo, o Fast precisou emprestar jogadores dos outros times. Do Olympico pediu Macedo, Homero, Popota, Gatinho e Orleans. Somente foi devolvido o excelente Gatinho.
-“O Gatinho era jogador para a seleção brasileira. Jogava uma enormidade. Ele chegou a jogar no São Cristóvão do Rio, recebeu boas propostas para permanecer no futebol carioca, mas preferiu voltar para Manaus. Afinal de contas ele, na época, era ajudante de despachante e ganhava uma nota. Jogava futebol para se distrair. Quando ele voltou do Rio, foi recebido com passeata. Foi um jogador fabuloso”.
Para ficar no Fast os dirigentes teriam que lhe arrumar um emprego. Quanto a isso não houve o menor problema, pois foi atendido em cima do pedido. Foi trabalhar na firma E.C.Oliveira , na praça Tenreiro Aranha, onde os diretores Álvaro e Mário Loureiro,eram apaixonados pelo Fast. A E.C.Oliveira, distribuidora de produtos farmacêuticos, estava sempre pronta para abrigar craques, desde que se dispusessem a vestir a camisa do Fast.
-“Os meus patrões eram tão fanáticos que, em dias de jogos do Fast, eles iam para a geral, no meio da torcida, do povão. E a torcida fastiana já tinha um lugar certo no Parque Amazonense. Ficava sempre naquele canto que dava para o Beco do Macedo. Naquela parte do estádio o carnaval ficava por conta deles”.
Orleans recorda que o Fast já viveu alguns bons momentos. Em 1960, José do Vale, que veio transferido para Manaus para dirigir a SNAP, companhia de navegação que passou ter posteriormente a denominação de ENASA, decidiu colaborar com o Fast. Foi acolhido como diretor de futebol e nem bem havia assumido o cargo, resolveu reforçar o time. Conseguiu tirar do Nacional dois excelentes atacantes: Português e Dadá. Dadá veio na condição de ter como certo um emprego na SNAP e conseguiu. Português foi ser funcionário da E.C.Oliveira.
Em 1961, casado, já beirando os 30 anos, decidiu largar o futebol. Somente não conseguiu se desvencilhar da mania de continuar freqüentando o clube.
-“Relembro que sob a presidência do Luiz Gonzaga de Souza (o homem dos discursos longos), o Fast era um clube muito organizado. Principalmente porque, contando com a ajuda do sêo João liberal, um excelente disciplinador, o ambiente era excelente. Dava gosto jogar no Fast. O Gonzaga só era chato quando resolvia fazer discurso. Mas era um bom administrador”.
Um outro ponto a que se refere Orleans, é quanto a extinção da divisão de aspirantes. Na época dos aspirantes o atleta tinha sempre uma chance de ser aproveitado, no momento em que não tinha mais idade para continuar na divisão juvenil. Sem saudosismo, acredita que a volta dessa divisão poderia valorizar muito mais o jogador de futebol.
Mas após pendurar as chuteiras, ao sentir que o Fast já não mais conseguia contar com a colaboração de pessoas de recursos, decidiu aceitar um grande desafio. Transformou-se no diretor de futebol. Sentiu, entretanto, que sozinho não teria condições de fazer muita coisa. Por isso resolveu pedir ajuda de um amigo.
-“Eu já conhecia o Luiz Alberto, sabia que ele era fastiano e em vista disso arrisquei o convite. Ele topou. Ai nós dois passamos a sofrer juntos os problemas do Fast. Por sinal, no despejo do Fast, da sede da rua Joaquim Nabuco, Luiz Alberto Aguiar, hoje Juiz de Direito aposentado, já estava na luta pela sobrevivência do nosso querido clube’.
Depois de peregrinar por vários pontos da cidade, Orleans queria arranjar um teto para o clube. Quando já estava na Leovegildo Coelho, Orleans, Luiz Alberto e o ex-zagueiro Purgante começaram a procurar um terreno para a construção da sede social. Mas também só havia boa vontade e com essa moeda não se compra muita coisa. Mas de qualquer maneira Purgante conseguiu encontrar o tal terreno, lá no Boulevard Amazonas. Pertencia ao sêo Acendino, que aproveitava o local para fabricar tigelinhas, para a extração de látex.
Orleans já andava meio desiludido. Luiz Alberto, que à época era gerente do Banco Sul Brasileiro, procurava ser otimista, mas também só otimismo não operava milagre. E, por isso, os dois , ficaram esperando que Deus desse bom tempo.
Um certo sábado à tarde, no Parque Amazonense, em 1966, conseguiram convencer Ézio Ferreira a colaborar com Fast. Ézio estava no velho Parque a fim de incentivar o time da Juteira Lustosa contra o Raiz, pelo campeonato amador. Orleans formulou o convite, Ézio aceitou e o Fast começou a mudar de vida, com sede, muitas vitórias e alguns títulos. Orleans não quer mais lembrar do dia em que teve que vender uma kombi e um jipe Land Rover para saldar as dívidas do clube. Já deu a sua cota de sacrifício. Ou de amor ao Fast ? (Nicolau Libório é Procurador de Justiça, Jornalista e Radialista – [email protected])