No dia 27 de dezembro do ano de 2003, publiquei um texto no jornal, hoje extinto, Estado do Amazonas, com o título Ano Novo para Luciana. Ele dizia o seguinte:
“Luciana, minha neta, começou ontem sua vida. Vida que eu espero longa, amorosa, feliz. Vida que mereça ser vivida.
É preciso, portanto, que eu expresse para ela (e para todas as crianças brasileiras, por que não?) o que podem e devem esperar do novo ano. Dele e dos subseqüentes em que, em meio aos brinquedos, estarão construindo o futuro.
Que o presidente da República consiga deslanchar o programa Fome Zero a fim de pôr cobro ao espetáculo de miséria que nos degrada como nacionalidade e nos envergonha como cidadãos.
Que, por isso mesmo, o Estatuto da Criança e do Adolescente deixe de ser mera declaração de princípios para se tornar realidade palpável, onde meninos e meninas tenham escola gratuita e de boa qualidade, de tal maneira que desapareçam (e não pelo extermínio) os cheira-cola que infestam nossas ruas, mostrando aos olhos de burgueses mais ou menos desleixados a “avant première” do espetáculo das prisões.
Que, como já pediu o grande Thiago de Melo, “o homem confie no homem como um menino confia em outro menino”, porque o novo mundo há de compreender que sem solidariedade não é possível edificar obra durável, com alicerces plantados na justiça e na igualdade.
Que as guerras sejam mera referência histórica, consolidando o entendimento de que o passado há de servir precisamente para evitar a repetição de erros, impedindo-se os holocaustos e as pilhagens internacionais, seja em nome de que princípio forem, inclusive e principalmente em nome de fanatismos religiosos que, além de ridículos, são estúpidos.
Que a criminalidade, inclusive sob a forma de corrupção, seja banida para sempre, mas sem a demonstração escandalosa da mídia que, com a conivência de autoridades, lincha pessoas sem culpa formada, expondo-as à execração pública, tudo a partir de uma legislação idiota que insiste em entender que a pena de prisão é a panacéia universal e que o endurecimento das próprias leis é a forma correta (que tolice!) de combater o crime.
Que o povo americano volte ao normal e mande para casa o genocida que o dirige, o qual, quase com certeza, é o responsável pela transmissão da doença que obrigou o governo brasileiro a proibir a importação de carne bovina daquele país.
Vês que o teu avô continua a sonhar, não é, Luciana?
Perdoa-me por isso e, quando eu receber teu primeiro sorriso, estarei recompensado porque nele verei a certeza de que compreendeste as angústias e apreensões de um velho que jamais conseguiu compactuar com as iniqüidades e que ainda encontra forças para proclamar sua revolta contra elas, acreditando que a Humanidade está muito acima de interesses mesquinhos e de ocasião.
Embalar-te-ei ao som da minha canção de esperança e, quando fores tu a entoá-la, que seus versos se tenham revelado proféticos porque transformados em realidade e vividos por ti e por teus contemporâneos como a mais sublime poesia.
Serás feliz, Luciana, como feliz há de ser, para todos, o Ano Novo”.
Hoje, a menina está moça. Quinze anos se passaram. E Luciana está aqui; carinhosa, meiga e toda sorrisos. É filha exemplar, como consegue ser exemplar sendo irmã, sobrinha, prima, amiga e neta. Minha mulher e eu podemos proclamar isso. Se o rei Midas transformava em ouro tudo aquilo em que tocava, Luciana vai muito mais além: tudo vira ternura à sua simples aproximação.
Ainda estou aqui, Luciana, olhando-te como o mesmo bebê que contemplei há três lustros. Com uma única diferença: hoje temos todos que te agradecer pelo oceano de felicidade com que inundaste nossas vidas. Não tenho uma rosa de ouro para te ofertar, Luciana. E tu mereces quantas houvesse para colher. Por isso, entrego-te apenas meu coração de avô. Parabéns, minha criança. Continuamos torcendo por ti. Sê muito feliz.(Félix Valois é Advogado, Escritor e Poeta)