No fim de ano, as recomendações são sempre as mesmas, seja qual for a mídia a que você tenha acesso. Planeje suas ações, realize aquela viagem que vem sendo adiada, seja uma pessoa melhor, reveja o rompimento de velhas amizades. E a coisa segue sempre no mesmo tom. Chega a dar a sensação de que a gente só fez besteira em todos os meses do ano que chega ao fim. Acredito até que, para alguns, isso tenha um fundo de verdade. Vejamos: a pessoa continuou acreditando no “mito” e dando chiliques por causa do afastamento dele do poder; acredita que, se ele tivesse continuado presidente, o país estaria melhor; esse indivíduo tem mesmo que dar uma guinada de tantos graus quantos tenha o círculo, porque simplesmente está sem qualquer noção de rumo, iludido pelo canto de sereia de uma direita que navega pela lua.
Achar boas e aplaudir figuras como o Nikolas Ferreira, Magno Malta e Cleitinho é outro sintoma, cientificamente aceito, de que algo não andou bem, significando que o tempo poderia ter sido melhor aproveitado. É bem certo que personagens desse tipo só podem extravasar publicamente o ridículo a que se entregam porque tiveram eleitores em número suficiente para ganhar eleições. Mas, convenhamos: aceitando que a indigência mental do representante deve estar no mesmo nível da do representado, isso não se pode traduzir em passe livre para transformar o parlamento em picadeiro. Muito menos para ofender a inteligência e a sensibilidade de quantos, enfrentando o negativismo, tiveram o bom senso de se vacinar contra a covid-19, apesar de todos os apelos “clorofínicos”, oficialmente trombeteados.
Outro dia vi, na televisão, um senhor chamado Silas Malafaia. O infeliz bradava contra o Papa Francisco, chamando-o de “hipócrita”. A ofensa tinha como motivo o fato de, em momento recente, Sua Santidade ter afirmado que os homossexuais podem ser abençoados. O pastor (depois eu soube que é assim que ele gosta de ser chamado) sustentava que isso era uma hipocrisia porque uma bíblia, que só ele conhece, assim o dizia. E ponderava com algo mais ou menos assim: “se uma pessoa dessas, que vive em pecado, vier pedir minha benção, eu não abençoo”. Ora, viva. Nunca me tinha passado pela cabeça que o pastor tinha o mesmo grau de importância e influência que o Papa. Ao depois, fiquei ruminando: será que existe mesmo alguém que, estando no uso e gozo da mais plena sanidade mental, vai pedir a benção ao Malafaia? Se existe, nem quero conhecer. Não há de ser um bom espécime.
Já ouço alguma gralha da direita lunática a se indignar: “Esse Valois, que é um comunista irrecuperável, vem se meter na nossa questão religiosa!” Calma, bravo
guerreiro ou aguerrida defensora da terra plana! Jamais tive qualquer intenção de discutir dogmas religiosos. O único que estou fazendo é tentar entender como um monte de gente, que se diz seguidora de Cristo, consegue nutrir e transmitir tanto ódio em tudo aquilo que diz, fala ou pensa. A aparência, por exemplo, desse mesmo Malafaia é a de um capiroto em traje de passeio, tamanhas são a raiva e a arrogância que ele exala.
Por tudo isso, este comunista aqui fica na dele, sem nunca pretender indicar a alguém o caminho do céu ou do inferno. Prefiro continuar acreditando que, se se solidificar a solidariedade humana, é possível pensar num mundo melhor, de onde seja banida a fome e onde a miséria seja mera lembrança histórica. Onde não seja necessário assistir ao espetáculo dantesco de crianças serem assassinadas, só porque alguns esquizofrênicos optaram pela guerra. Onde, enfim, consigamos entender, de uma vez por todas, que nascemos e devemos permanecer iguais e que, portanto, ninguém, absolutamente ninguém, é melhor do que o outro.
É. Definitivamente parece que, para este modesto escriba, não vão funcionar as recomendações da mídia. Deverei continuar sendo o mesmo, acreditando que figuras como Bolsonaro e Milei são ameaças para a Humanidade; que a paz é o ambiente natural para a vida do homem; que ainda é possível salvar o planeta e que um dia todos vão poder exercer o direito elementar de comer.
Feliz 2024.
(Felix Valois é Advogado, Professor, Escritor e Poeta – [email protected])