Quando o patrimônio é valioso, mas o custo de manutenção é desproporcional, a expressão idiomática adequada é chamar esse bem de elefante branco. Exemplo: Arena da Amazônia. A derrubada do estádio Vivaldo Lima e a construção de uma “arena” para servir de palco para alguns poucos jogos da Copa de 2014, não trouxe nenhum benefício para Amazonas e muito menos para o decadente futebol amazonense. Se somarmos o que foi gasto, e verificarmos o que foi arrecadado até hoje, teremos a certeza de que o prejuízo é grande. Lamento que não haja um limite para o valor desse prejuízo.
Felizmente vivi, na condição de cronista esportivo, a melhor fase do futebol amazonense. Estive presente nos grandes eventos no Parque Amazonense, estádio da Colina e estádio Vivaldo Lima. Por isso, prefiro dar um breve passeio pelo mundo das recordações. Vou lembrar do Parque Amazonense.
De 1906 a 1912 foi apenas hipódromo. Durante esses seis anos, sempre aos domingos, a nata da sociedade de Manaus, elegantemente vestida, comparecia ao local para ver, ser vista, prestigiar as corridas de cavalo e/ou saracotear pela pista de dança localizada na arquibancada da praça de esportes do antigo bairro do Mocó. Foi um período de glamour que feneceu com o declínio do nosso primeiro ciclo de desenvolvimento econômico. A crise da borracha inviabilizou o funcionamento do Prado e por isso, o seu proprietário, que havia conseguido a área em razão da boa vontade do Governador Constantino Nery e do Prefeito Adolpho Lisboa, resolveu fugir da raia. O imóvel foi doado ao Dispensário Maçônico que decidiu construir um estádio de futebol, o Parque Amazonense.
Como estádio de futebol, o Parque Amazonense passou a existir em 1918, servindo de palco para os jogos do campeonato. Nesse ano, o Nacional que já havia conquistado os campeonatos de 1916 e 1917, transformou-se no primeiro tricampeão do futebol amazonense, formando com Restolho Nery, Fidoca e Rodolfo Gonçalves; Pequenino, Cunha e Fernandes; Aureliano, Paulo, Lino Dantas, Craveiro e Pará.
Mas o Parque Amazonense não deu exclusividade ao futebol, tendo em vista que a sociedade local não conseguia esconder o seu interesse em arriscar a sorte nos páreos que reuniam animais da melhor qualidade. Assim, futebol e hipismo dividiram espaço, harmonicamente, até o final dos anos 1930.
Tendo na sua presidência o médico Menandro Tapajós, a Federação Amazonense de Desportos Atléticos, por meio de um contrato de arredamento, assumiu a administração do estádio da linha circular em 1946. Contando com a ajuda do Interventor Federal Júlio Nery, Menandro conseguiu realizar alguns melhoramentos no estádio. Com a construção do setor de gerais, aumentou a capacidade de público e permitiu que a torcida do Nacional tivesse mais espaço para assistir a equipe ganhar o campeonato daquele ano, com Mota, Vicente e Lupércio; Major, Pedro Sena e Júlio; Oliveira, Luizinho (Marcos Gonçalves), Paulo Onety, Raspada e Lé.
Disputavam o campeonato, em 1946, Nacional, Fast, Tijuca, Olympico, Eldorado, Comercial, Fluminense e América. Com tantos clubes envolvidos na competição, havia necessidade de outros campos além do Parque Amazonense. E a FADA passou a contar, também, com o campo do Luso, que era localizado nos Bilhares, onde hoje está erguido o colégio Sólon de Lucena. Posteriormente passaram a ser utilizados o campo do Labor, bem atrás da Usina Labor, em Educandos; campo do Nacional, na Vila Municipal (hoje Adrianópolis) e estádio Gilberto Mestrinho, de propriedade do São Raimundo, inaugurado na administração do presidente Ismael Benigno.
No início dos anos 1960, o futebol amazonense ainda era administrado pela FADA – Federação Amazonense de Desportos Atléticos, que tinha no seu comando Laércio Miranda, ex-presidente do Nacional, quando o América de Artur Teixeira tornou-se o novo arrendatário do estádio localizado no antigo beco do Macedo, hoje bairro Nossa Senhora das Graças, também conhecido como estádio da linha circular. Tinha o compromisso de recolher, mensalmente, uma certa importância aos cofres das Grandes Lojas do Amazonas (Maçonaria), com preferência para adquirir definitivamente o imóvel. E tudo ia muito bem, pois em 1966, com a fundação da FAF, o seu presidente Flaviano Limongi, resolveu ajudar o América. Setores de gerais foram construídos atrás dos gols, as arquibancadas foram recuperadas e, com maior espaço útil, dividia com o estádio do São Raimundo os jogos do campeonato até o surgimento do Vivaldo Lima, pré-inaugurado com o jogo da seleção brasileira, no dia 5 de abril de 1970.
O Parque Amazonense, que nos anos 1940 chegou a ter um bom sistema de iluminação para os jogos noturnos, deu adeus ao público no dia 8 de julho de 1973, com o jogo em que o Rio Negro venceu a Rodoviária por 3 a 1, com três gols de Osmar para o time alvi-negro, enquanto Sudaco marcou para o time do DER-AM. Mais de 4 mil pessoas pagaram para ver o Rio Negro jogar com Clóvis, Pedro Hamilton, Casemiro, Biluca e Nonato; Dermilson, Jorge Cuíca e Rolinha (Orange); Osmar (Almir), Zé Cláudio e Sarão. O time da Rodoviária perdeu com Iane, Mesquita, Joaquim, Valter e Téo; Tadeu (Carlito) e Sudaco; Zezé ( Laércio), Wilson Lopes, Roberto e Julião. Zé Cláudio, do Rio Negro e Julião, da Rodoviária, foram expulsos. Depois disso, em razão da preferência do público pelo Vivaldão, o América perdeu a sua fonte de recursos. Sem condição de honrar seu compromisso, Artur Teixeira não teve alternativa. Foi forçado a devolver o velho Parque Amazonense à Maçonaria. Para surpresa de muitos, em 1976, tão logo a venda foi anunciada, toda estrutura de ferro das arquibancadas veio abaixo. O setor das gerais virou entulho. Não escapou nem o pavilhão Gilberto Mestrinho, espaço da crônica esportiva, que não se valeu de instrumentos jurídicos à época para se ressarcir do prejuízo. Sabe-se que o terreno já foi repassado a uma conhecida construtora que não teria nenhum projeto para beneficiar o futebol.
Tenho agradáveis lembranças do Parque Amazonense. Pelo seu gramado desfilaram grandes artistas da bola. A maestria de Ademir, a raça de Gordinho, Sula, Boanerges, Borges, Zamundo; a habilidade de Dermilson, Português, Fredoca; a categoria de Edson Piola, o belo futebol de Pepeta, a valentia de Santarém, a segurança do zagueirào João Tavares, as cabeçadas certeiras de Airton, as defesas espetaculares de Clóvis, Marialvo, Jorge Baleia, Pedro Brasil, enfim, craques e alguns pernas-de-pau viveram momentos felizes, dramas, desapontamentos naquele espaço esportivo que não resistiu o peso dos seus quase 70 anos. Ao desaparecer o velho estádio da minha infância, da minha juventude, onde dei os primeiros passos como repórter esportivo, em 1965, tirou de cena figuras simpáticas e gozadoras como sêo Vasco, o homem que dava um prêmio a quem encontrasse uma azeitona no seu saboroso sanduíche “Disco Voador”. O Parque levou consigo parte da bela e rica história do futebol amazonense.(Nicolau Libório é Procurador de Justiça, Jornalista e Radialista – nicolauliboriomp@gmailcom)