
Vizinho do reservatório de água do Mocó, convivendo com a placidez do Cemitério São João Batista, com as árvores em volta que davam sombra às arquibancadas de estrutura de ferro, cobertas com telhas de barro, o Parque Amazonense existiu de 1918 até 1976. Na fachada do portão principal, na rua Belém, ainda existe o busto de um cavalo para lembrar que lá, antes, existiu um hipódromo, que funcionou por seis anos, de 1906 a 1912, importante ponto de encontro da nata da sociedade amazonense, que não conseguia esconder o interesse em arriscar a sorte nos páreos que reuniam animais das melhores qualidades. Foi um período de glamour, que terminou com o declínio do nosso primeiro ciclo de desenvolvimento econômico. A crise da borracha inviabilizou o funcionamento do Prado, dando motivo para que o seu proprietário, um cidadão conhecido por P. R. Paraguai, encerrasse as atividades do Hipódromo Amazonense.
O discreto P.R. Paraguai, destacado membro da maçonaria, que havia adquirido a área na administração do governador Antônio Constantino Nery, percebeu que a crítica situação só deveria piorar, não reservava um futuro promissor para o turfe, por isso resolveu doar o espaço à GLOMAM- Grande Loja Maçônica do Estado do Amazonas. O Dispensário Maçônico transformou o local de corridas de cavalo num estádio de futebol, em 1918, palco de grandes espetáculos. Não só de futebol, porque em uma noite do primeiro trimestre de 1972, o cantor Roberto Carlos foi muito aplaudido, por uma grande plateia, ao cantar Detalhes e outras belas e românticas canções do seu vasto repertório.
Antes do Parque, o futebol amazonense que era administrado pela Liga Amazonense de Foot-Ball e, posteriormente, pela Liga Amazonense de Sport Atlhéticos-LASA, tinha suas competições no campo do Bosque, na avenida Constantino Nery (antes João Coelho) e no gramado da antiga Praça Floriano Peixoto- onde anos depois foi construído o Hospital Militar,
no bairro de Cachoeirinha. Com o surgimento da Federação Amazonense de Desportos Atléticos-FADA, em 1917, o Parque, inaugurado em 1918, passou a ser o local preferido para realização de importantes confrontos. Destacando-se o Nacional, que aumentou a sua coleção de títulos, iniciada em 1916 e que se estendeu até 1920.
Sob a presidência do médico Menandro Tapajós, a Federação Amazonense de Desportos Atléticos- FADA- por meio de um contrato de arrendamento, assumiu a administração do estádio da Linha Circular em 1946. Contando com ajuda do Interventor Federal Júlio Nery, Menandro conseguiu realizar alguns melhoramentos no modesto estádio, que tinha um gramado que media 45 metros de largura por 90 metros de comprimento, dimensão que não atenderia os padrões atuais exigidos pela FIFA. Mas isso é o que menos importa. O dito popular garante que tamanho não é documento. Com a construção do setor de gerais, aumentou a capacidade de público e permitiu que a torcida do Nacional tivesse mais espaço para assistir ao seu time ganhar o campeonato daquele ano, com Mota, Vicente e Lupércio; Major, Pedro Sena e Júlio; Oliveira, Luizinho (Marcos Gonçalves), Paulo Onety, Raspada e Lé.
No início da década de 1960, o futebol ainda era administrado pela FADA, que tinha no seu comando Laércio Miranda, desde de 1955, ex-presidente do Nacional, quando o América de Artur Teixeira, irmão do Amadeu, tornou-se o novo arrendatário do Parque. O América havia assumido o compromisso de recolher, mensalmente, determinada importância aos cofres do Dispensário Maçônico, com preferência para adquirir definitivamente o imóvel.
E tudo ia muito bem, pois em 1966, com a fundação da FAF, o seu presidente Flaviano Limongi, resolveu dar uma ajuda ao clube dos irmãos Teixeira. Setores de gerais foram construídos atrás dos gols, a arquibancada foi restaurada e, com maior espaço útil, dividia com o estádio do São Raimundo os jogos do campeonato até o surgimento Vivaldo Lima, pré-inaugurado com o jogo da seleção brasileira, no dia 5 de abril de 1970.
O Parque Amazonense, que nos anos 1940, chegou a ter um bom sistema e iluminação para os jogos noturnos, deu adeus ao público no dia 8 de julho de 1973, com o jogo em que o Rio Negro venceu a Rodoviária por 3 a 1, com três gols de Osmar para o time barriga-preta, enquanto Sudaco assinalou para o time do DER-AM. Mais de quatro mil pessoas pagaram ingressos para ver o Rio Negro vencer com Clóvis, Pedro Hamilton, Casemiro, Biluca e Nonato; Dermilson, Jorge Cuíca e Rolinha (Orange); Osmar (Almir), Zé Cláudio e Sarão. O time da Rodoviária perdeu com Iane, Mesquita, Joaquim, Valter e Téo; Tadeu (Carlito) e Sudaco; Zezé (Laércio), Wilson Lopes, Roberto e Julião. Zé Cláudio, do Rio Negro e Julião, da Rodoviária, foram expulsos. Depois desse jogo, em razão da preferência do público pelo Vivaldão, o América perdeu a sua fonte de recursos. Sem alternativa, sem a mínima possibilidade de honrar o acordo com o arrendador, foi forçado a devolver o Velho Parque Amazonense ao Dispensário Maçônico. Para a surpresa de muitos, em 1976, tão logo a venda foi anunciada ao empresário Francisco Osvaldino Castelo Branco, toda estrutura de ferro das arquibancadas veio abaixo. O setor de gerais virou entulho. Não escapou nem o pavilhão Gilberto Mestrinho, espaço da crônica esportiva, que não se valeu de instrumentos jurídicos à época para se ressarcir do prejuízo. Sabe-se que Castelo Branco vendeu o terreno à uma construtora. Sabe-se, também, que o valor da venda foi investido no grupo Coroa Brastel, que ao quebrar, deixou seus investidores sem lenço, sem documento, sem o dinheiro aplicado.
O Parque foi um palco de boas e desagradáveis recordações. Triste tarde viveu a torcida do Nacional no dia 28 de junho de 1959, quando levou a maior goleada da sua história. Perdeu para Fluminense por 11 a 1, com gols de Valdo (5), Jair Francisco (2), Telê Santana, Maurinho, Wilson e um gol contra do lateral Boanerges. Jayme Basílio marcou o único gol amazonense. O time carioca, lamentavelmente, humilhou o Naça, jogando com Carlos Castilho (Vitor Gonzalez), Jair Marinho, Pinheiro, Clóvis e Altair; Edmilson e Jair Francisco; Maurinho, Telê Santana, Valdo e Escurinho. Como fatos agradáveis, vale lembrar que em 1963 e 1964, o Nacional conquistou o último título da fase amadorista e o primeiro do período profissional.
Pelo gramado do Parque passaram grandes nomes do futebol amazonense: Marialvo, João Tavares Português, Ribas, Santarém, Sula, Dermilson, Pedro Hamilton, Fredoca, Antônio Piola, Edson Piola, Holanda, Hugo, Tomás, Orlando Rebelo, Pratinha, Ademir Maestro, Santarém, Gordinho, Alfredo Mostarda, Orleans, Rangel, Pretinho, Paulo Lira, Pepeta, Paulo Onety e outros mais. Nomes de projeção nacional também lá estiveram como o zagueiro Zózimo, campeão do mundo em 1962; Carlos Castilho, goleiro campeão do mundo na reserva de Gilmar em 1958 e 1962; Manga, goleiro do Botafogo e do Internacional, Telê Santana, craque do Fluminense e técnico de reconhecida competência.
Ao desaparecer, o velho estádio da minha infância, da minha juventude, onde dei os primeiros passos como repórter esportivo, em 1965, tirou de cena figuras simpáticas e gozadoras como Sêo Vasco, o homem do suco “gengibirra”, que dava um prêmio a quem encontrasse uma azeitona no seu saboroso sanduíche “Disco Voador”. Não há dúvida que o Parque Amazonense, ao desaparecer, levou consigo parte da bela e rica história do futebol amazonense.(Nicolau Libório é Procurador de Justiça aposentado, Ex-Delegado de Polícia, Jornalista e Radialista).(25.07.25).